O Banco de Portugal (BdP) volta a estar no centro das atenções por parte dos partidos políticos. Em causa está a proposta de mudança de política do órgão regulador liderado por Carlos Costa que aponta para a redução das provisões e o pagamento de mais dividendos. Esta é uma das soluções propostas pelo grupo de trabalho entre o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda para atenuar o peso da dívida, mas que está longe de gerar consenso.
O Banco de Portugal constitui provisões para riscos gerais até 5% dos títulos de dívidas. No fundo, pode guardar e ir acumulando esses lucros ao longo de anos, não os distribuir ao Estado e não contribuindo, dessa forma, para as contas públicas.
O cenário ganha outra dimensão quando estamos a falar de provisões na ordem dos quatro mil milhões de euros, de acordo com os últimos dados. O que este grupo de trabalho defende é que se avance com uma política de provisões por parte do supervisor menos agressiva, ou seja, que este montante seja reduzido.
A verdade é que tudo indica que isso irá representar mais uma guerra contra o Banco de Portugal, apesar de o supervisor já ter reduzido este ano as provisões e aumentado os dividendos pagos ao Estado para os 450 milhões de euros.
A ideia não é nova. É já usada noutros bancos centrais. É o caso, por exemplo, do Banco Central da Irlanda, que diminuiu o nível geral de provisões ao ponto de apresentar reservas negativas. Até porque o Banco Central Europeu (BCE) faz anualmente uma revisão de todos os ativos e procura identificar aqueles em que os bancos centrais nacionais estão obrigados a constituir imparidades.
Sem assinatura do governo O relatório não conta para já com a assinatura do governo, mas o executivo já veio admitir que concorda “até certo ponto” com algumas das propostas que o grupo apresenta. “É um trabalho muito sério, rigoroso, com contributos muito interessantes de reflexão”, disse o primeiro-ministro. Ainda assim, António Costa já alertou para que a reestruturação da dívida é um assunto que só poderá ser tratado no quadro europeu.
A verdade é que um porta-voz do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) afirmou que uma redução da taxa de juro dos empréstimos europeus concedidos no programa de resgate não é permitida pelas regras de enquadramento legal do FEEF/Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE).
Contra e a favor Quem não viu com bons olhos esta alteração de reservas por parte do BdP foi o PSD. Pedro Passos Coelho chega mesmo a dizer que “há uma intenção clara do governo” de “deitar a mão” ao “dinheiro que está no Banco de Portugal, como medida extraordinária para ajudar a compor os números do défice”.
A acusação mereceu resposta por parte de António Costa, dizendo que não percebe sequer a questão, mas “lembrou” que o líder do PSD já não está no governo. “Ouvi o líder do PSD dizer isso. Mas creio que ele já não está no governo e, portanto, não creio que alguém lhe tenha passado mandato para representar o governo em qualquer tipo de anúncio sobre essa matéria”, afirmou.
Também o Presidente da República defende “a continuidade” das políticas na gestão da dívida do país. Quando questionado sobre a acusação feita pelo líder do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa disse apenas que “há, obviamente, da parte de todos, a ideia de que é bom que haja uma almofada no Banco de Portugal para fazer face a uma subida de juros”.
Já o líder do PCP voltou a alertar para necessidade de Portugal renegociar montantes, juros e prazos da dívida pública, considerando que as propostas de um relatório sobre a matéria são “microssoluções” insuficientes para resolver o problema. Jerónimo de Sousa argumentou que o que é proposto pelo grupo de trabalho “não toca na questão dos montantes, deixa de fora aqueles que especulam com a dívida e corresponde a uma gestão corrente da dívida, aceitando os constrangimentos e as imposições da União Europeia”.
“Não é disto que o país precisa. O país precisa de uma visão estrutural da reestruturação da dívida”, contrapôs, lembrando que o PCP já propôs a criação de um grupo de trabalho sobre a dívida na Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República.
Por seu lado, a coordenadora do Bloco do Esquerda (BE), apesar de admitir que o relatório sobre a sustentabilidade da dívida não é o que os bloquistas gostariam de fazer, diz que ele apresenta, todavia, soluções que permitem libertar recursos para o Orçamento do Estado de 2018. “Este documento é muito importante porque apresenta soluções que, não sendo a reestruturação da dívida que o Bloco quer fazer e pela qual continuará a lutar, são soluções que, no imediato, permitem libertar já recursos para que o próximo Orçamento do Estado possa cumprir as posições conjuntas para acabar com o empobrecimento do nosso país. Não é coisa pouca”, disse Catarina Martins.