“Eu não o assumi e a CGTP não o assumiu”, foi assim que Arménio Carlos respondeu ontem aos jornalistas, embrenhado na manifestação na grande manifestação sindical, em Lisboa, sobre a possibilidade de uma greve geral dos trabalhadores.
O fantasma de uma grande greve, que assolava a manhã do 1º de Maio de ontem, não se veio a confirmar.
As centrais sindicais não deixaram nem de reconhecer conseguimentos do governo do PS nem de mostrar o ressentimento com o antigo governo do PSD. Até o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, desdramatizou qualquer tensão. “É o dia de todos os trabalhadores, em que se celebra o trabalho, a riqueza e a distribuição de riqueza”, descreveu o chefe de Estado para quem seria “anormal” se não fosse um dia de “reivindicações” das centrais sindicais. “É natural”, assegurou Marcelo, no dia do Trabalhador.
Arménio Carlos seguiu nessa naturalidade. “Depois das reposições, é altura de responder a outros problemas”, adiantou o secretário-geral da CGTP. “Não podemos aceitar que os trabalhadores portugueses tenham 51% dos salários relativamente à média europeia, que 8 em cada 10 que procuram emprego tenham uma oferta de trabalho precário, que a pobreza laboral continue um facto em Portugal”, salientou o sindicalista.
Arménio Carlos disse também que enquanto houver capacidade de “negociação” e “vontade política”, as relações com o governo deveriam manter-se na normalidade. No entanto, “se o governo não tiver vontade política para resolver os problemas, naturalmente que não contará com a cumplicidade da CGTP”.
Manifestações para o Dia Nacional da Luta foram marcadas para 3 de junho, em Lisboa e no Porto.
Arménio responde a António Ao artigo de opinião em que António Costa, primeiro-ministro, balanceava, como é seu jeito, entre o “dignificar o trabalho” e uma “economia com futuro”, Arménio Carlos responde de pronto: “Quanto às palavras estamos de acordo. Agora, estamos à espera dos atos”.
O secretário-geral notou que “não foi apresentada nenhuma proposta [do governo] para o setor privado, sendo que “é no setor privado que está grande parte da precariedade”.
“O turismo está a aumentar mas os salários nem por isso…” diagnosticou ainda.
Enquanto o primeiro-ministro equilibra o discurso económico com o laboral (“O aumento da competitividade não poderá perder de vista a defesa da dignidade do trabalho”), os sindicalistas lutam pela promessa do segundo.
“Valorizamos o que foi feito, mas a vida continua e o tempo passa”, anotou a CGTP. “É preciso atender a expectativas”. A “libertação do euro”, “a renegociação da dívida” e o combate à precariedade são as prioridades.
“Um ano e meio depois de o governo ter iniciado funções, não é normal que não tenha atacado os problemas na origem das desigualdades e pobreza laboral”, atirou o dirigente em plena Alameda, contra as reformas implementadas no tempo do executivo de centro-direita.
Ainda em 2012 Arménio Carlos não deixou de evocar a “subversão da Constituição da República Portuguesa que estava em curso” durante o tempo do governo PSD/CDS, a ‘troika’ que “humilhou e agrediu o povo” e “descaracterizou o regime democrático”, a União Europeia, “prepotente e arrogante”, “militarista e neoliberal”, que “abriga o racismo e estimula a xenofobia”. Para Arménio Carlos, o momento é “de aprofundamento da crise estrutural do capitalismo” e de “ofensiva do imperialismo, com os Estados Unidos da América a persistirem em agressões unilaterais”.
Passos Coelho, por sua vez, também não descurou recordar os seus tempo de governo, mas numa ótica evidentemente oposta. “Entre 2014 e 2015, o empregou aumentou em 176 mil [postos de trabalho]”, disse o presidente do PSD, sendo que “70% [desses 176 mil] foi até 2015”, logo, enquanto os sociais-democratas, agora na oposição, governavam.
UGT mais severa Se Arménio Carlos e os partidos à esquerda do governo não alimentaram a ideia de uma greve geral (Jerónimo e Catarina remeteram a decisão para os sindicatos, recusando interferência partidária na questão), a UGT foi quem mais aguçou as críticas à atual governação. “Esses gritos que vocês entoam são ouvidos em São Bento e em Belém”, assegurou Carlos Silva, líder da sindical. “Não podem haver trabalhadores da Administração Pública a fazerem um trabalho de excelência sem motivação para isso. Um Estado que se assuma como bom patrão tem que ser generoso”, insistiu também. “Nós não queremos trabalhadores a trabalharem até à morte” e independentemente da justificação “40 anos de carreira contributiva e 60 anos de vida é mais que tempo para uma reforma digna e sem penalização”.
A vinda da UGT a Viana de Castelo, certificou Silva, “é um grito da UGT”, que quer ver o salário mínimo atualizado antes de 2020, como consta “no programa de governo”
Do lado da FENPROF, Mário Nogueira, também não vacilou. Em Coimbra, em idênticas comemorações do dia dos trabalhadores, Nogueira declarou que promessas feitas pelo atual governo “em campanha eleitoral e no princípio da legislatura” estão “a ser adiadas” e estagnadas. No fundo, como Carlos Silva se queixou do aumento do salário.
Mas o certo é que ontem os “gritos” sindicais não ultrapassaram linhas vermelhas. Qualquer convocação de greve dependerá sempre de futura falha do governo, e não de um governo como falha em si. Nisso, já não estamos em 2012.
Luta de classes light Ainda há, então, “paz social” e “descrispação” para dar e vender. Os sindicatos pedem ao governo, o governo garante aos sindicatos, ambos querem conversar e o Bloco de Esquerda e o PCP prosseguem na sua pouco intrometida vigilância. “Não somos um partido, mas tomamos partido”, admitiu Arménio Carlos. “Uma política patriótica e de esquerda”, recomendou o sindicalista.
A mútua crença nas reposições e o gradualismo com que o governo prefere proteger-se – tanto de Bruxelas como da conjuntura internacional – sustentam a tensão entre o Partido Socialista e as outras rodas da ‘geringonça’: Bloco, PC e sindicatos. A tensão, à data, mantém a corda firme. Sem mostras ou ameaças de rompimento.