Quando fui pedida em casamento, não pensei em nada do que aí vinha – aproveitei o momento e só pensava na sorte que tinha em poder passar o resto da minha vida com uma pessoa de quem tanto gosto. No dia seguinte, surgiram as preocupações: casamento pela igreja ou pelo civil? Festa à hora do almoço ou jantar? Convidar mais primos ou mais amigos? Mas havia uma questão que estava a deixar-me muito ansiosa: o vestido de noiva. Sempre vivi com inseguranças em relação ao meu corpo, por isso tinha medo de usar algo que exibisse as falhas que tenho. Comecei a procurar imagens na internet e consegui tirar algumas ideias, mas estava mais baralhada do que nunca.
Ponderei comprar um vestido numa loja, mas sabia que ia ser difícil arranjar uma peça que fosse tal e qual o que queria. Por isso, decidi optar por criar algo que fosse ‘a minha cara’. Na redação, souberam que ia casar e propuseram-me um trabalho que seria útil para mim e para as leitoras que, como eu, não sabem por onde começar: visitar quatro criadoras portuguesas de vestidos de noiva.
Começou a maratona: visitas a quatro ateliers em apenas um dia. Liguei à estilista Madalena Braga para saber se podia receber-me e tive uma resposta que não estava à espera: tinha sido mãe há apenas 15 dias e já estava pronta para trabalhar. Chegámos ao seu espaço, nas Amoreiras, e recebeu-nos com um sorriso, começando por nos contar um pouco da sua história: começou por trabalhar na China, passando pela marca de roupa Labrador e pela TM Collection, uma empresa portuguesa cuja produção é feita na Índia. Há dois anos, decidiu ‘atirar-se’ sozinha aos vestidos de noiva. «A brincar, no primeiro ano fiz 15 vestidos, no segundo cheguei quase aos 50. Sou uma workaholic no bom sentido. Gosto mesmo muito daquilo que faço».
Depois de ouvir o seu percurso profissional, perguntei-lhe o que distinguia os seus vestidos dos restantes e a resposta foi a que esperava: o facto de arriscar. «Gosto de usar cor nos vestidos, que é algo que se vê pouco. Agora vou fazer uma peça em que vou colocar uma série de flores de veludo ‘salpicadas’ no vestido. Num vestido que fiz no ano passado, fui ao Martim Moniz, comprei imensos brincos, parti-os todos e coloquei-os no vestido. Gosto de mulheres que arrisquem comigo, adoro uma noiva que me diga tem carta branca», explica.
Seguem-se algumas perguntas: se experimentei vestidos em lojas, qual a data do casamento, que tipo de casamento e de que silhuetas gosto. Mesmo querendo mangas compridas, aconselha-me a ter alguma pele à mostra e, se ainda não pensei na questão do véu, diz-me para tentar perceber qual o gosto noivo. «Faz parte do imaginário de alguns», garante.
Briefing feito e, a partir daqui, começa o processo criativo. Madalena Braga cria três ou quatro propostas com todos os pormenores (faz até um scan das rendas que usa e inclui-as nos desenhos) e marca provas futuras. Os seus vestidos começam em 1400 euros, o valor mais baixo que encontrámos durante a ‘viagem’ pelos ateliers. E há uma novidade ainda melhor: está a preparar uma coleção de vestidos de noiva prêt-à-porter , que deverá ser lançada em setembro. «Gostava que esses vestidos andassem entre os 700 e os 1200 euros. Quero ter uma alternativa para as pessoas que não querem gastar 2000 euros numa peça. Acho que um vestido de noiva não tem de custar um valor desses para ser bonito». Gostei da ideia, mas é pena a linha só estar pronta em setembro, precisamente o mês do meu casamento. Podia arriscar e de certeza que, nas mãos da Madalena, tudo ir correr… Mas sempre gostei mais de jogar pelo seguro.
«As minhas noivas são pouco noivas»
Seguimos viagem, rumo à Avenida Guerra Junqueiro, onde fica o atelier de uma das mais conhecidas criadoras de vestidos de noiva em Portugal: Pureza Mello Breyner. Não vemos sinais na porta e agarramos no telemóvel para ter a certeza de que apontámos a morada certa. Está tudo correto. É um edifício típico daquela zona de Lisboa, que mais parece um prédio de habitação (vamos descobrir mais tarde que é mesmo – Pureza vive no apartamento ao lado do trabalho). Mas assim que chegamos ao quinto andar, damos de caras com uma azáfama típica de um atelier: divisões com ornamentos, sapatos, rendas, véus, todo o tipo de tecidos que podemos imaginar. Há vestidos de noiva por todo o lado, um espelho enorme na divisão principal e uma secretária cheia de papéis.
Pureza está cheia de energia e muito descontraída. Diz que é sempre assim nas provas e que algumas noivas (e mães das noivas) não lidam bem com isso. Mas acaba por ser essa forma relaxada de estar que ‘salva’ muitas provas: «Há duas semanas tive de gerir uma discussão entre uma noiva e a mãe. Às vezes sou mais psicóloga do que estilista. Antes, ficava mais nervosa do que elas».
Agora, é ‘a dona da rua’. Já anda no ramo há nove anos e tem um negócio a crescer – só no ano passado vendeu o triplo dos vestidos do ano anterior. Este ano para lá caminha… E não percebe porquê. «Não sei se foi o vestido de noiva da [atriz] Ana Brito e Cunha, o vestido dos Globos de Ouro da [atriz] Leonor Seixas, o instagram, que é uma máquina super poderosa… Acho que foi uma mistura de vários fatores».
Durante a apresentação inicial, disse-me que prefere as noivas mais descontraídas. «Costumo dizer que as minhas noivas são pouco noivas: dão mais valor ao estarem confortáveis e poderem dançar a noite toda do que a carregar um vestido enorme e pesado. Não sou muito clássica», afirma.
Começamos a entrevista: nome, idade, profissão, o tipo de casamento, a data, o local, quantas pessoas, a que horas e se é religioso ou civil. «Esta parte faz imensa diferença: o religioso condiciona-nos logo. Por exemplo, uma mulher que já tenha uma criança e vá casar pelo civil, acho que não faz sentido nenhum usar véu. E no civil dá para ir com um vestido mais curto», explica.
Ao perguntar-me que silhueta gostava de usar, confesso-lhe que fui a duas lojas com uma ideia fixa e que, ao experimentar modelos completamente diferentes daqueles que tinha em mente, fiquei totalmente baralhada. Pureza é contra este método: «Não vale a pena baralhar a noiva. Se uma pessoa chega aqui já com algumas ideias, de que é que serve deixá-la confusa?». Então deixemos os vestidos de sereia e foquemo-nos nos vestidos armados que imaginei.
A partir do que lhe é dito, a criadora tenta colocar a noiva em diferentes modelos de saias e tops para tentar conjugar a combinação ideal – tem três saias, um vestido inteiro e «milhares» de tops para serem experimentados a partir dessas provas. Mas atenção: noivas que queiram vestidos cai-cai, não vale a pena visitarem a Pureza. «A pessoa passa a noite a puxar o vestido para cima, um gesto que fica horrível. Não está à vontade, não dá um abraço, não dança. Não gosto nada. Fiz um vestido assim, quando ainda não sabia dizer que não».
Depois de ter uma ideia do que a noiva quer, Pureza irá criar algumas propostas e apresentar um orçamento – os seus vestidos variam entre 2000 e os 2500 euros. E mesmo que opte pela coleção que cria anualmente – onde existe apenas um vestido de cada modelo apresentado – o preço não varia. É verdade, o valor assusta, mas o argumento apresentado acaba por deixar-me desarmada: «Costumo dizer que a pessoa não está a pagar o vestido, está a pagar a liberdade de, a meio do processo, poder mudar de ideias, de, até ao dia do casamento, poder mudar o que quiser, de poder emagrecer, engordar, de ter o nosso aconselhamento em sapatos, acessórios, cabelo maquilhagem, tudo». Isso era o ideal. Com o bom gosto da Pureza, o look estava garantido. Mas não sei se a minha carteira acha assim tanta graça…
A Veterana
Seguimos para o terceiro atelier com a noção de que vamos encontrar-nos com a ‘veterana’ dos vestidos de noiva. Susana Agostinho completa 28 anos de carreira em 2017 e conhece bem este mundo. É conhecida por fazer vestidos de noiva com cor e de criar peças muito arrojadas.
Quando chegamos, o cenário é completamente diferente dos anteriores: há várias paredes pintadas de preto, cadeiras pretas. Ouve-se a música do filme ‘O Senhor dos Anéis’, da cantora Enya, ao longo da sessão. E atenção: não ficamos a ouvir o CD do ‘Senhor dos Anéis’. Ouvimos a mesma música durante uma hora. Susana explica que é uma música que a acalma e com a qual as suas clientes também se sentem bem. Susana chega com um ar decidido, vestida de preto, com o cabelo cor de fogo e, ao mesmo tempo, uma forma muito tranquila de estar e de apresentar o seu trabalho.
Sentei-me para a entrevista e fui apanhada de surpresa, pois as perguntas que me foram feitas não tinham nada a ver com as que tinham sido colocadas anteriormente: que sabor associo ao amor? Que cheiro associo ao amor? Um sinónimo de amor? O meu signo? A partir das minhas respostas, Susana criou um perfil: sou uma falsa moderna. Gosto de mostrar um lado alternativo, mas o meu gosto vai sempre em direção ao tradicional.
Depois destas questões, Susana pede às suas clientes que reajam ao que chama ‘imagens de provocação’, onde surgem vestidos seus, das mais diferentes cores e feitios, e tenta perceber as reações da noiva. A partir daí, começa um processo de criação, sempre com base nos gostos da cliente.
A meio do briefing, Susana disse-me que tinha o objetivo anual de vender três vestidos de noiva pretos… E que atinge sempre essa meta. «São principalmente as juristas ou as advogadas que optam pelo preto», revela. Os seus vestidos começam nos 1800 euros e uma noiva que escolher a Susana Agostinho tem direito a um conjunto completo de consultoria: «Uns dias antes do casamento, ensino as minhas noivas a sentarem-se, a ajoelharem-se, a ir à casa de banho».
Ao longo de uma hora e meia, Susana contou-me o seu percurso profissional, mencionou alguns dos vestidos mais originais que fez – chegou a fazer um vestido só com padrões da calçada portuguesa – e falou-me de alguns problemas no setor. Um deles é o facto de algumas das artes portuguesas estarem a desaparecer. «É uma pena não haver investimento no que existe em Portugal. Existem escolas de bordado de Castelo Branco e temos pouquíssimas miúdas anexadas a isto, continuam a ser pessoas de idade a fazer este trabalho. Nós temos bordadoras excelentes, mas não há continuidade. O mesmo acontece com os bordados de Peniche e as rendas de bilros, não há apoios. Quando tenho de usar estes materiais nos meus vestidos, tenho sempre medo que já não haja alguém que o faça», lamenta a criadora.
Outro dos problemas que Susana mencionou foi a falta de união entre as estilistas portuguesas. «Acho que nos devíamos reunir todos os criadores. Já tentei fazê-lo e não consegui, acharam que eu era maluca. Acho que há mercado para todos, a noiva é que tem de fazer um diagnóstico. Todos juntos dávamos mais credibilidade ao setor, penso que há uma falta de união. Diga às outras criadoras para me ligarem ou para mandarem mensagem no Facebook. Promova este apelo, julgo que nos fazia muito bem». Bom, aqui fica o recado. Faço tudo pelo bem dos produtos portugueses! Os da Susana são únicos, feitos para noivas que não têm (mesmo) medo de arriscar. No meu caso, não sei se consigo ser tão radical…
Da costureira da avó ao negócio lucrativo
A nossa última paragem é em Alcabideche, no concelho de Cascais. No atelier da Joana Montez, voltamos ao registo moderno e mais clean. A criadora recebe-nos cheia de entusiasmo, apesar de já passar das 18h00 e de já ter atendido várias clientes. Ao longo da conversa, disse-me que fazia aquilo que sempre quis fazer – quando era mais nova, ia com desenhos a casa da avó, que tinha uma costureira, para preparar os seus próprios modelos. Passados uns anos, começou a criar e os primeiros vestidos de noiva que desenhou foram feitos para as amigas. A partir daí, o negócio foi crescendo: primeiro com a sócia Patrícia de Melo, depois sozinha.
O briefing é muito semelhante ao que é feito pela Madalena e pela Pureza, mas Joana faz uma comparação que ainda não tinha ouvido: «Uma pessoa não vai vestida da mesma maneira para um cocktail às 18h00 e para uma festa às 22h00. Nas noivas aplicam-se as regras que usamos para nos vestirmos no dia-a-dia».
Perguntou-me qual o tipo de vestido que mais gostava e, mais uma vez, repeti a lengalenga, mas desta vez lancei um comentário provocador: «Não sei se é muito o seu estilo… Se não for, o que é que faz?». Joana garante que não é esse o caso, mas se assim fosse, não fazia o vestido, é incapaz de fazer algo com o qual não se identifique. «Também acho que posso fazer isto porque tenho uma posição confortável no mercado, mas a verdade é que sempre disse que não. E penso que foi assim que construi a marca que hoje existe», afirma.
Tal como Pureza, Joana também tem uma coleção anual, mas os vestidos que estão expostos no seu showroom não são vendidos, servem apenas para a noiva ter uma noção do que é criado -tem cerca de 18 modelos que podem ser transformados em 50. Isto porque esta criadora portuguesa faz algo de que nunca tinha ouvido falar: controla os vestidos que as amigas da noiva usam. «Este é um meio pequenino e temos de ter o cuidado de ver onde os vestidos vão parar. As noivas têm de dar a lista [de pessoas com quem se dão]. Asseguro-me de que não há vestidos iguais entre pessoas conhecidas. Se vier cá uma pessoa que está na lista que me foi dada, nem sequer vê o vestido que está a ser feito para a amiga. Às vezes faço vestidos para quatro, cinco ou seis amigas vão casar naquele ano», explica.
Os vestidos da Joana começam nos 2400 euros. Este é o valor de uma garantia de exclusividade ao mais alto nível – de tal forma que, assim, teria a certeza de que nenhuma amiga minha terá um vestido parecido com o meu.
A verdade é que, no final do dia, continuava com muitas dúvidas: optar pela irreverência da Madalena, a descontração da Pureza, a extravagância da Susana ou a frescura da Joana? Não revelo o resultado. Só no dia 9 de setembro, quando estiver a chegar ao altar, se saberá qual foi a escolha. Digo apenas que todas se dedicam a isto de corpo e alma, com o amor que um vestido de noiva merece e transparece.