Muitos comentadores políticos (a esmagadora maioria) não percebem o ridículo em que caem quando dizem frases como: «Que horror, a Le Pen pode ganhar».
Ou mesmo: «Felizmente, é quase impossível a Le Pen ganhar».
Não é esse o papel dos comentadores.
O papel de um comentador não é exprimir os seus estados de alma, lamentando a eleição deste ou congratulando-se com a daquele.
O papel de um comentador é analisar a realidade, percebê-la, entender os porquês das coisas – e apresentar o produto dessa reflexão.
E, se muitos comentadores o fizessem, já se teria percebido há muito tempo que candidatos como Tsipras, Trump ou Le Pen iriam mais tarde ou mais cedo ganhar eleições.
Num livro que escrevi em 2007 (Política à Portuguesa – Ideias, Pessoas e Factos) já antecipava este fenómeno.
O facto de os partidos centrais do sistema serem cada vez mais parecidos, dizendo as mesmas coisas para conquistar os mesmos eleitores (o eleitorado indeciso), iria conduzir necessariamente a um pântano.
Deixaria de haver contrastes no discurso político dos partidos do sistema.
E, perante isso, muitos votantes tenderiam a deslocar-se para os extremos.
Ora isso está hoje a acontecer um pouco por toda a parte no mundo ocidental.
As pessoas fartaram-se do discurso redondo, conveniente, escrito com pinças, feito para não ferir suscetibilidades.
Um discurso que, se não magoa ninguém, também não entusiasma ninguém.
Enquanto a democracia deu dinheiro – enquanto os filhos tinham a perspetiva de viver melhor do que os pais -, os eleitores estavam satisfeitos e votavam no sistema.
Havia uma perspetiva de futuro.
Mas quando os motores das economias ocidentais começaram a engasgar – com as deslocalizações, a concorrência do Oriente, as regalias sociais que os orçamentos já não suportam -, quando as democracias deixaram de poder distribuir benefícios e passaram a pedir sacrifícios, aí é que a porca começou a torcer o rabo.
As pessoas, forçadas a apertar o cinto, começaram a descrer dos políticos do sistema e a procurar alternativas – sendo atraídas pela extrema-direita ou pela extrema-esquerda, conforme as circunstâncias.
No Norte da Europa, inclinaram-se para a direita; no Sul, para a esquerda.
E nos EUA verificou-se um fenómeno parecido, que conduziu à vitória de Trump e à subida imprevisível de Bernie Sanders.
A progressiva descrença dos cidadãos nos políticos do centro foi potenciada por outros três fatores: os escândalos de corrupção, o desprezo pelos nacionalismos e a escalada do terrorismo.
A corrupção minou a confiança na classe política tradicional.
Está hoje muito difundida a ideia de que a democracia promove a corrupção: vejam-se os escândalos em todos os países democráticos, a começar por Portugal (Operação Marquês, Face Oculta, Vistos Gold, BPN, etc.).
Depois, o desprezo dos políticos do sistema pelos nacionalismos, em consequência da globalização ou da União Europeia, provocou reações nacionalistas em muitos países.
O que também era previsível.
O sentimento nacionalista não desapareceu (basta ver o apoio dos portugueses a figuras como Mourinho ou Cristiano Ronaldo, só por serem nossos concidadãos) e a sua constante subvalorização, a par da subserviência a poderes supranacionais, incomodou muita gente.
Finalmente, a escalada do terrorismo.
Cresce a sensação de que o sistema não é capaz de defender as sociedades de ataques terroristas.
As pessoas deixaram de se sentir seguras nos seus próprios países.
A multiplicação dos atentados exigia da parte dos políticos uma resposta diferente, verdadeiramente nova, enérgica, convincente.
Mas eles mantiveram o mesmo discurso politicamente correto: não temos medo, não vamos alterar os nossos hábitos, é preciso evitar o racismo e a xenofobia, nem todos os muçulmanos são terroristas, etc.
Esta última afirmação, por exemplo, é extraordinária!
Claro que nem todos os muçulmanos são terroristas, mal de nós! O problema é que quase todos os terroristas são muçulmanos.
As pessoas, por muito que queiram ser altruístas, vêem isso – pelo que o discurso politicamente correto já não pega.
Foi neste caldo de cultura que apareceram políticos que se propõem, bem ou mal, pegar o boi pelos cornos.
Repare-se que, de Trump a Le Pen, a receita é sempre a mesma: desprezo pelo politicamente correto, exaltação do nacionalismo, controlo da imigração.
E as três coisas, não parecendo, estão interligadas.
O discurso politicamente correto – defendendo as minorias, o respeito pelo ‘conveniente’, a rejeição do que ‘parece mal’ – acaba por desembocar no abandono do ‘nacionalismo’ e na proteção da imigração.
Foi contra isso que Trump, Le Pen e os ingleses (no Brexit) se ergueram.
Trump ganhou, o Brexit também, Le Pen não deve ganhar mas está a crescer de dia para dia.
Resumindo, temos hoje no Ocidente os seguintes problemas:
– Incapacidade das democracias para continuarem a melhorar o nível de vida das pessoas;
– Demasiada insistência no discurso politicamente correto;
– Elevada corrupção;
– Desprezo pelos nacionalismos;
– Falta de respostas ao terrorismo.
Tudo isto levou os eleitores a afastarem-se dos políticos centrais e a serem atraídos pelos extremos.
Esta era a leitura que os comentadores já deveriam ter feito há muito tempo – e não andar a chorar pelos cantos porque Trump ganhou e Le Pen ainda pode ganhar.
O papel dos comentadores é perceber a realidade e explicá-la, não é lamentá-la.
Só mostrando os porquês de certas coisas se podem evitar as catástrofes – físicas ou humanas.
Os comentadores andaram a dormir e agora surpreendem-se.
Então para que servem?