Se é inteiramente verdade aquilo que Jean-Luc Mélenchon sublinhou logo na noite eleitoral, que os cerca de sete milhões de votos que recebeu na primeira volta não lhe pertencem – não lhe cabendo, por isso, decidir o que fazer com eles –, não é menos verdade que a única coisa que lhe perguntaram foi quem apoiaria doravante. O que estaria em cima da mesa não seria, pois, um endossar automático do resultado eleitoral da primeira volta, mas uma tomada de posição pública sobre a eleição presidencial mais incerta dos últimos anos.
Chegados ao fim da primeira volta, será ainda necessário a Mélenchon refletir sobre o cenário que todas as sondagens apontam há semanas como o mais provável para a segunda volta? Sendo o programa xenófobo e extremista da Frente Nacional conhecido há anos, só agora é que se torna evidente a necessidade de votar num candidato que, para si, representa um mal menor?
Efetivamente, por muitas que sejam as divergências de Mélenchon perante Emmanuel Macron e o seu programa liberal, centrista e, nalguns aspetos, ainda vago, analisar a sua plataforma política a par da da Frente Nacional é prestar um muito mau serviço à defesa da democracia – confundindo uma divergência partidária e programática face a um adversário político com uma divergência estrutural face a um inimigo da República e dos seus valores. Neste contexto, um voto em Macron não significa uma adesão ao seu programa mas antes (e tão-só) uma rejeição firme e empenhada do rumo fascizante da sua adversária na segunda volta.
A Frente Nacional, apesar de toda a cosmética e de todos os esforços da filha de Le Pen para esconder o antissemitismo, racismo e simpatias por Vichy do movimento fundado pelo pai, continua a ser o mesmo partido extremista que vive do incitamento à exclusão do outro. Procurando ser hoje mais polido e aparentemente normalizado, é por isso mesmo um partido mais perigoso na forma como comunica e como se revela particularmente eficaz no seu populismo, explorando o descontentamento com a integração europeia, com a globalização e com a classe política tradicional.
Confrontado com um quadro de terríveis consequências resultantes de um eventual sucesso eleitoral da Frente Nacional (que os demais derrotados rapidamente reconheceram, apelando à derrota de Le Pen), e perante o aparecimento de movimentos de apelo à abstenção enquanto forma de protesto, é de uma tremenda irresponsabilidade da parte de Mélenchon e dos seus apoiantes recusar o apelo à mobilização para a derrota da extrema-direita, ao arrepio até do que o próprio fizera em 2002, perante a presença de outro Le Pen na segunda volta.
Sejamos claros e não nos iludamos: os riscos existem. Uma desmobilização dos eleitores que perderam o seu candidato preferido na primeira volta, associada a uma participação tradicionalmente elevada dos votantes da Frente Nacional, condimentada pelo evidente namoro desencadeado pela Frente Nacional aos eleitores antissistema e de protesto que ficaram sem candidato, pode desequilibrar as certezas de uma vitória clara de Macron que as sondagens oferecem. Esta não deve ser hora de complacências.