Não é novidade. Não foi a primeira vez. Nem será a última. Em declarações ao i, o politólogo José Adelino Maltez fala em “manifestação típica da oposição” e num “costume muito português”.
O tema em análise é a qualidade do regime, a partir de declarações de altos dirigentes do PSD e do CDS-PP. Nos últimos dias, Pedro Passos Coelho e o líder da bancada parlamentar do CDS-PP, Nuno Magalhães, vieram a terreiro insinuar que a democracia portuguesa está a empobrecer. O líder social-democrata assegurou que o PSD rejeita “a democracia praticada por quem está hoje no governo”, classificando-a como “uma democracia limitada e mais pobre”. Já o dirigente centrista falou da atual realidade parlamentar, descrevendo-a como “democracia simulada”.
Também em declarações ao i, o politólogo António Costa Pinto alerta para os riscos que “uma linguagem radical” pode trazer para a qualidade da democracia.
“Num contexto internacional, sobretudo europeu, onde existem reais ameaças ao sistema democrático, como no caso da Hungria e da Polónia, em que se utilizam expressões como democracia iliberal e regimes híbridos, as elites nacionais, quando na oposição, trazerem para “o campo político a utilização excessiva desse tipo de expressões radicaliza a vida política”, diz.
“E, sobretudo – isso acontece –, quando empiricamente não se verifica nenhuma ameaça à autonomia das instituições”.
Para o especialista, “essa linguagem radical não beneficia a qualidade da democracia, pelo contrário, só a prejudica, ainda por cima quando provém de partidos políticos muito rotativizados na governação como sejam os casos do PS, PSD e CDS”.
Já para José Adelino Maltez “é mau” o recurso a esse tipo de linguagem, até porque, alerta, “de tanto se dizer que isto não é uma democracia, as pessoas deixam de estar mobilizadas e mais atentas para quando houver uma ameaça real”.
“A democracia não o é só quando se controla o poder”, lembra o politólogo.
Linguagem própria de “partidos radicais”
De regresso a António Costa Pinto, o professor universitário considera que “a utilização desse tipo de expressões – sobressalto democrático, défice democrático, democracia simulada, etc – por partido políticos que os portugueses associam à governação não é positivo para a democracia”.
“Essa de atitude seria mais natural em partidos radicais, à esquerda ou à direita, mas que estão fora do poder, que não o exercem. Agora vinda de forças políticas às quais os portugueses associam a partidos moderados, quer do centro direita, quer do centro esquerda, não é bom. Só faria sentido este tipo de discurso se a ação política estivesse igualmente radicalizada, por exemplo no âmbito da atividade parlamentar, com o bloqueio de iniciativas dos partidos, das comissões, etc.”, conclui Costa Pinto.
José Adelino Maltez faz questão de lembrar que este tipo de declarações funcionam apenas “como sound bites para garantir títulos garrafais”.
“Se a democracia estivesse em perigo, o Presidente da República, que é o garante do normal funcionamento das instituições já se teria pronunciado. Mas não o fez e até vem da mesma área política”, declara.
Para este professor universitário, “há um funcionamento normal das instituições” em Portugal e “se há algum défice, esse não é, seguramente, na democracia”.
“O grande défice é a falta de oposição. PSD e CDS têm de demonstrar ter força para derrubar a atual maioria em eleições. Se isso não acontece, então sim, há alguns défices”, atira.
Costa Pinto considera também haver “um défice de militância” a partir do momento em que se vê “os líderes dos dois principais partidos (PS e PSD) a serem escolhidos em eleições em que a participação de militantes é inferior (ou quase) ao número de adeptos que participam na eleição dos presidentes dos grandes clubes de futebol”.
“É bom lembrar que há aqui alguma coisa de novo. Portugal tem o único parlamento na Europa em que todos os partidos já estiveram, direta ou indiretamente no poder. Nunca houve tanta democracia inclusiva como neste momento em Portugal. Vivemos num regime de marcelismo costeiro”, ironiza.