1.Ao contrário da maioria significativa dos comentadores, entendíamos que o debate de ontem entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen não seria decisivo (sequer relevante) para o desfecho eleitoral do próximo domingo. As sondagens foram mostrando, ao longo dos últimos dias, uma vantagem sólida de Macron nas intenções de voto dos franceses.
2.Evidentemente, o argumento de autoridade (ou de credibilidade) das sondagens é muito falível: Hillary Clinton também deveria, segundo as ilustres empresas de estudos de opinião, ter sido eleita Presidente dos Estados Unidos da América com uma vitória esmagadora sobre Donald Trump.
Até porque o voto em Marine Le Pen tende a ser um voto escondido, não revelado: por receio e pressão do meio social envolvente, os cidadãos que votam em Marine Le Pen apenas expressam esta sua vontade no silêncio da urna.
3.Donde, a distância real entre Macron e Marine Le Pen deve ser inferior aos 20% indicados pelas sondagens: no entanto, ao invés do que sucedeu nos EUA, Marine Le Pen será muito provavelmente derrotada no próximo domingo. As circunstâncias de Marine Le Pen, e da França, são muito distintas de Donald Trump, e dos EUA. A vitória de Trump foi, para nós, sempre muito possível – enquanto que a vitória de Marine Le Pen sempre nos pareceu (como nos parece) muito impossível. Porquê? Vejamos:
1)Marine Le Pen não é uma novata na política, tendo já assumido posições muito radicais no passado e a tentativa de suavização do discurso que tem ensaiado não conseguiu ainda apagar algumas das suas intervenções pretéritas. Mais: Marine Le Pen carrega o legado (deveras pesado!) da sua linhagem familiar e política: a colagem ao seu pai – que já expressou simpatia por algumas das bandeiras ideológicas do fascismo e mesmo do nazismo no passado – é inevitável (Macron naturalmente não perde uma oportunidade de colar Marine a Jean-Marie).
Ao invés de Donald Trump, o qual representou uma vaga de esperança e de optimismo quanto ao futuro para milhões de americanos, Marine Le Pen suscita, na maioria dos franceses, receio, medo e pessimismo;
2) Marine Le Pen é líder de um partido político que se assumiu historicamente como de extrema-direita, sobretudo durante ao consulado do seu pai. A Frente Nacional é um partido de franja, distante do poder, que mutos franceses nem sequer levavam a sério – já Donald Trump era o candidato indicado pelo partido Republicano, força política estruturante do duelo político nos Estados Unidos da América. Na tradição política norte-americana, o Presidente será oriundo das fileiras do Partido Democrata ou do Partido Republicano.
Diferentemente, em França, o Presidente virá dos partidos do centro político, moderados – enquanto que os partidos da franja (quer na extrema-esquerda, quer na extrema-direita) são encarados como meros partidos de protesto, de luta política – mas não de governação.
Acreditamos que Marine-Le Pen não é de extrema-direita: é uma candidata conservadora, eurocéptica, tradicionalista e nacionalista. A fronteira da direita ideológica (infelizmente) não acaba em Marine Le Pen. Todavia, o seu partido –a Frente Nacional – é mais radical e mais de “anti-poder” do que “de poder” em comparação com a sua líder (até há poucos dias) e candidata presidencial;
3) A não ser em situações extremas e de caos absoluto e desordem incontrolável nas ruas, como aqueles que se seguiram à I Guerra Mundial na Europa, um partido extremista e de franja não consegue, em poucos anos, converter-se em partido de poder.
A verdade é que, não obstante as dificuldades em que vivemos e a ingovernabilidade da França, a situação de hoje não é (esperemos que nunca venha a ser) de ruptura, de quebra, de desespero que permita a um partido de franja tornar-se em partido de poder. Logo, Marine Le Pen é objectivamente prejudicada pela história: daí que nos pareça que a própria já o percebeu, passando a jogar pelo segundo lugar com a maior votação possível;
4) Curiosamente, o “efeito Donald Trump” revelou-se a favor da candidatura de Emmanuel Macron. Porquê? Desde logo, porque, como já vários estudos recentíssimos demonstram, o principal factor de voto em Trump nos EUA foi a economia. A esperança em Donald Trump para voltar a incutir dinamismo, liberdade, inovação e espírito de vitória na economia norte-americana.
Por outro lado, Donald Trump é um outsider, uma personalidade mediática e empresarial sem ligações políticas ao establishment, nem experiência política anterior. Ora, quem é que aproveitou melhor o apelo do eleitorado à mudança do paradigma económico? Emmanuel Macron – o seu discurso é essencialmente sobre aspectos económicos.
E quem é que representa a novidade, a não subserviência, nem ligação formal aos partidos políticos? Emmanuel Macron. Macron é a novidade que Donald Trump foi nos EUA no ano passado. E, ao contrário de Donald Trump que foi moderando as suas poisições de partida, Macron foi endurecendo – até ameaçando já com um “frexit”.
4.Dito isto, quanto ao debate de ontem, dois aspectos a relevar.
Primeiro, o regresso da política – pela primeira vez, desde há muito tempo, tivemos, em solo europeu, um debate político a sério.
Em segundo lugar, o mais surpreendente do debate foi a postura invertida dos candidatos: Marine Le Pen é tida como dura, acutilante, feroz na retórica, mas ontem foi sorridente, simpática, temerosa, muito contida; Macron é tido como gentil, excessivamente redondo, com uma sensibilidade quase feminina (como escreveu Nuno Rogeiro), mas ontem foi duro, agressivo, impositivo, sempre com um ar professoral.
5.No essencial, o debate não acrescentou, nem diminuiu nada: Le Pen agradou a quem queria agradar; Macron tentou agradar a quem queria tentar agradar. No resto, foi mais do mesmo da campanha.
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