Num momento em que a precariedade representa uma das principais chagas que afligem a qualidade de vida de muitos milhares de pessoas e suas famílias, é fundamental que seja o Estado o primeiro a dar o exemplo e a não claudicar na erradicação do fenómeno e na sua utilização abusiva para suprir necessidades permanentes dos serviços públicos.
É essencial restaurar a dignidade de quem trabalha, dando garantias de qualidade ao funcionamento dos serviços e criando um quadro robusto e equilibrado às relações laborais públicas.
O processo, no entanto, é complexo e desafiante: pressupõe um levantamento criterioso de quais as situações a abarcar em abstrato no quadro da regularização dos vínculos precários, exige a definição de um regime jurídico sólido e que não gere injustiças relativas, implica tratar com a prioridade adequada as situações que se prolongam há mais tempo e carece de um diagnóstico detalhado, serviço a serviço.
Neste contexto, devia ser óbvio para todos o papel fundamental que os sindicatos têm de ser chamados a desempenhar para levar a bom porto a tarefa. O seu contributo pode ser determinante em todas as fases do processo, no quadro daquele que é o papel dos representantes dos trabalhadores num Estado de Direito democrático.
A líder do CDS, no entanto, não só parece não reconhecer a necessidade e urgência de fazer recuar a precariedade, como ainda se mobilizou para lançar invetivas insultuosas ao Governo e aos sindicatos, insinuando que o papel de proteção dos trabalhadores precários mais não seria do que uma institucionalização da cunha e uma forma de alcançar desideratos ilícitos.
São declarações que chocam profundamente pela ausência de noção e conhecimento de qual é o papel dos sindicatos num processo como o que agora se desencadeia, funcionando precisamente como um agente de fiscalização e de garantia de igualdade de tratamento perante o risco potencial de favorecimentos no processo de definição dos trabalhadores a integrar nos mapas de pessoal.
Até aqui, a ação política de Assunção Cristas vinha-se especializando essencialmente em negar tudo o que fizera no passado recente, aquando da sua passagem pelo anterior Governo, procurando inventar uma personagem totalmente nova, desprovida de lastro histórico e da insensibilidade que no passado votara aos problemas que agora procura explorar, com uma dose significativa de cinismo e oportunismo eleitoral.
É, de facto, necessário mobilizar um desplante significativo para visitar os bairros sociais cujas rendas aumentou quando tutelava o setor, para clamar pela necessidade de proteger as lojas históricas que a sua lei do arrendamento colocou em risco de encerramento e despejo, ou para exigir habitação a custo controlado para jovens quando foram os seus anos à frente da pasta que fecharam grande parte das portas a uma política coerente para o setor (e sem ter a mínima noção de que 1.300 euros mensais não representa um valor suportável para fixar rendas controladas para quem precisa de uma resposta de alojamento para início de vida).
Desta vez, porém, mais do que vontade de esquecer o que fez nos verões passados, a presidente do CDS demonstra uma elevada precariedade na sua argumentação sobre o tema, escondendo com dificuldade um desconforto perante a solução que muito tardava e que a inação do anterior Executivo só agravou, permitindo (e por vezes subliminarmente incentivando) o aumento de situações de precariedade na Administração Pública.