No dia seguinte, Manuela Ferreira Leite insurgia-se contra o facto de, para o Conselho de Finanças Públicas, ter sido proposto o nome de Teresa Ter-Minassian, dizendo que em Portugal há dez ou vinte pessoas tão competentes como ela.
O que existe em comum entre estas duas posições?
As preocupações de natureza patriótica.
Jardim Gonçalves e Ferreira Leite rejeitam as ingerências estrangeiras nos nossos bancos ou nos organismos de controlo.
Mas nem só as pessoas de ‘direita’ têm estas preocupações.
O Partido Comunista, que inicialmente era internacionalista – e ainda canta nos seus congressos A Internacional –, é talvez hoje o partido mais patriótico de todos.
E, tal como o BE, não se cansa de plantar pelo país fora cartazes contra a União Europeia e contra o euro.
Esta questão está na ordem do dia, pois por toda a parte assistimos ao regresso dos nacionalismos e dos patriotismos.
Nas comemorações do 25 de Abril, Marcelo Rebelo de Sousa fez-lhes referência.
E distinguiu entre ‘patriotismo’ e ‘nacionalismo’, na linha de De Gaulle – para quem ‘patriotismo’ significava amor pelo seu povo e ‘nacionalismo’ representava o ódio a outros povos.
Mas, chame-se-lhe patriotismo ou nacionalismo, estamos a falar de um sentimento que existe ‘espontaneamente’.
Que se funda na partilha de uma língua, de uma história, de tradições, de certos hábitos e costumes comuns – enquanto o europeísmo é uma abstração.
É natural ouvir dizer «Tenho orgulho em ser português» (ou em ser espanhol, ou alemão) – mas raramente alguém diz «Tenho orgulho em ser europeu».
Porque aí não há o sentimento de pertença a uma comunidade.
Olhamos para os polacos, para os alemães ou para os nórdicos e vemos que têm pouco a ver connosco.
Pertencem a outra realidade.
Além disso, ao contrário do que poderia pensar-se, o patriotismo não é um exclusivo dos velhos.
Os jovens que já nasceram na era europeia, que fizeram o Erasmus, etc., não são menos patriotas por isso.
Veja-se como vibram com os feitos da Seleção nacional ou com as proezas de Mourinho e Ronaldo, como escrevi na semana passada.
Acontece que, nas últimas décadas, os políticos do sistema desprezaram, desvalorizaram ou mesmo espezinharam o sentimento patriótico.
A palavra ‘Pátria’ foi abolida no discurso político dos principais partidos – que passaram a só fazer referência às instituições europeias e à globalização.
Em todos os países da Europa – e mesmo nos EUA – o orgulho nacional ficou soterrado durante anos debaixo do europeísmo ou do politicamente correto.
O ‘fervor patriótico’, que antes estava entre os sentimentos mais nobres («Heróis do mar, nobre povo, nação valente…», «Viva Espãna! Gloria a la Patria…», «Allons enfants de la Patrie…», etc.), passou a ser tratado como uma coisa démodé, que pertencia ao passado.
Foi neste ambiente que germinaram Trump na América, Le Pen em França, Geert Wilders na Holanda, Norbert Hofer na Áustria, os defensores do Brexit no Reino Unido, e por aí fora.
Eles vieram reacender (e tirar partido de) um sentimento que estava adormecido mas não estava morto.
Trump diz: «America first» – e as pessoas deliram.
Marine Le Pen proclama: «En marche, la France!» – e os franceses gostam.
Significa isto que os partidos centrais – que nalguns países estão destroçados (em França alcançaram apenas, juntos, 26% dos votos) – vão ter de mudar de discurso.
Entre outras coisas, não poderão entregar aos extremistas o exclusivo do patriotismo.
Vão ter de o assumir.
E a própria União Europeia vai ter de respeitar mais as identidades nacionais.
Não pode atuar com a arrogância que por vezes tem demonstrado.
Mas atenção: se os países querem preservar os seus valores e a sua independência, não podem endividar-se como alguns o têm feito.
Não podem querer ser independentes para umas coisas – mas dependentes para o que lhes dá jeito (o endividamento).
Quem quiser invocar o ‘orgulho nacional’ não pode depois andar de mão estendida a pedir dinheiro emprestado ao estrangeiro.
Por isso, o discurso nacionalista de direita, que cada vez tem mais sucesso nos países do Norte, não vingará nos países do Sul da Europa.
E o de esquerda também não.
Veja-se o que aconteceu na Grécia, que depois das fanfarronices de Tsipras acabou por meter a viola no saco.
Pela mesma razão, também não teremos em Portugal esse problema.
Vamos de continuar a pedir dinheiro ao estrangeiro, e isso é incompatível com as veleidades nacionalistas.
«Quem não tem dinheiro, não tem vícios», diz o povo.
E isso tanto vale para as pessoas como para as nações.