Pires de Lima. Morreu ‘um homem de direita com o coração ao pé da boca’

Sem papas na língua, foi um dos mais emblemáticos bastonários da Ordem dos Advogados. Faleceu no sábado e vai hoje a cremar

Com o coração ao pé da boca, António Pires de Lima nunca fugiu a uma polémica. Mas era também reconhecido pela capacidade de juntar à mesma mesa quem andava de costas voltadas. Um dos mais emblemáticos bastonários da Ordem dos Advogados será hoje cremado no cemitério do Alto de S. João.

Desaparecido aos 80 anos, Pires de Lima deixou uma marca forte na Ordem dos Advogados, que liderou entre 1999 e 2001. Uma liderança que se caracterizou “pelo desassombro das suas intervenções” – como sublinha Marcelo Rebelo de Sousa na nota de pesar publicada no site da Presidência –, mas também pela forma como pacificou algumas tensões na Justiça.

Ficou na memória dos que acompanharam o seu mandato a maneira como conseguiu que uma reunião em Viana do Castelo que começou com juízes de um lado e advogados do outro passasse a uma sessão conjunta que acabou num jantar de confraternização. “Foi um dos exemplos emblemáticos desse tempo”, recordou o antigo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, em 2012, num discurso de homenagem a António Pires de Lima.

Para Noronha do Nascimento, o bastonário foi uma peça essencial para “aproximar operadores judiciários desconfiados entre si”.

Mas o advogado nascido a 30 de Outubro de 1936 na freguesia de Santa Maria Maior, em Barcelos, foi também um homem de ruturas. Sem medo de ser polémico, António Pires de Lima dizia em 2010 que Portugal “é governando por incompetentes” e chamou mesmo “ditador” ao então primeiro-ministro, José Sócrates, acusando-o de ser “um indivíduo impreparado para qualquer coisa que seja uma atividade política”.

Nesse ano, numa entrevista ao “Correio da Manhã”, dizia que não tinha a certeza sobre se seria recordado daí a 100 anos, mas confessava que gostaria de ficar na memória como “um homem de direita com o coração muito ao pé da boca”.

Tão ao pé da boca, que não hesitava em qualificar o seu sucessor na Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto, como um “provocador, fala-barato”. Estava preocupado com a imagem que a advocacia projetava nos últimos anos. “Nos anos em que comecei, dizer que era advogado captava a atenção das pessoas e era motivo de respeito. Hoje é quase caso para se ser preso de imediato”, comentou uma vez ao i com uma ponta de ironia.

As mensagens com que foi recebida a notícia da sua morte, no passado sábado no Hospital da Luz em Lisboa, mostram que esteve sempre à altura de dignificar o papel de advogado.

“Recordamos António Pires de Lima como um dos causídicos mais brilhantes da sua geração, que se distinguiu pela afabilidade de trato, pelo desassombro das suas intervenções e, acima de tudo, pela integridade de caráter”, afirmou o Presidente da República, lamentando o momento em que “Portugal perde um homem frontal e independente, um advogado de exceção, um cidadão empenhado no futuro do seu país”.

“Recordo o bastonário Pires de Lima como um parceiro exigente e leal com quem construí uma profunda estima que perdurou na nossa relação pessoal”, escreveu António Costa na sua conta de Twitter.

“É um sentimento de perda de um grande advogado, um homem importantíssimo para a área da justiça e da cidadania. Era um homem com fortes convicções, contra atitudes amorfas na respetiva comunidade e, por tudo isso, uma grande perda”, comentou ao “DN” o atual bastonário da Ordem dos Advogados, Guilherme Figueiredo.

Pai do ex-ministro da Economia, António Pires de Lima, tinha mais três filhos e deixa viúva Maria José, que Helena Sacadura Cabral recorda agora no seu blogue como “essa companheira de uma vida, que soube sempre ser o forte esteio daquilo que a sua família hoje é”.

AS MEDALHAS

Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, em 1958, inscreveu-se na Ordem como advogado a 19 de Abril de 1963, exercendo na comarca de Cascais. Foi consultor jurídico em vários organismos e sociedades e mediou arbitragens de âmbito internacional, tendo sido membro do Tribunal Arbitral.

Recebeu medalhas pelas campanhas em Angola em 1966/68, onde cumpriu serviço militar obrigatório e foi condecorado com a medalha de Benemerência da Cruz Vermelha Portuguesa do qual foi vice-presidente. Recebeu ainda o Prémio Bastonário Ângelo d’Almeida Ribeiro, atribuído pela Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, pelo “elevado mérito do trabalho desenvolvido em defesa dos Direitos Humanos”.