1.A história a que estamos a assistir no Porto, tendo o PS como protagonista –mor, é, no mínimo, confrangedora. Após a tentativa de cercar Rui Moreira, colando-o ao PS, exteriorizada pela “Dona Daquilo Tudo” que Ana Catarina Mendes quer ser – eis que Luís Marques Mendes expôs (ainda mais!) o PS ao ridículo.
Foi então tornado público que nem António Costa confiou em Manuel Pizarro para seu número um nas listas socialistas à Câmara do Porto: antes, Costa preferia o jornalista Júlio Magalhães.
2.Percebe-se a intenção de António Costa: Júlio Magalhães é um jornalista com qualidades, profundo conhecedor do Porto e das suas gentes, muito próximo de Pinto da Costa, director do canal do Futebol Clube do Porto e que conhece muito bem Rui Moreira.
Júlio Magalhães é uma figura amplamente reconhecida na cidade do Porto, pelo que dispensa qualquer apresentação e trabalho prévio de campanha: bastaria aparecer, efectuar uma campanha curta (embora intensa) e tentar tirar a Câmara a Rui Moreira. Uma solução de recurso ideal passa sempre por alguém que já tenha força própria.
Alguém que possa acrescentar valor ao partido – e não que seja o partido a impulsionar a sua candidatura. Alguém que, enfim, pudesse ser um (aparente) independente controlável pelo PS e susceptível de ser usado como veículo de conquista de poder – ou seja, Júlio Magalhães seria o rosto ideal para o PS continuar o “rui-moreirismo” sem Rui Moreira.
3.Pior a emenda que o soneto: ao convidar Júlio Magalhães, António Costa colocou-se a jeito de desvalorizar ainda mais (o que parecia impossível!) aquele que se tornaria o seu candidato efectivo, Manuel Pizarro.
A revelação de Luís Marques Mendes mostra que nem António Costa confia nas capacidades políticas de Manuel Pizarro: nem mesmo os socialistas poderão votar com convicção no seu candidato, número dois de Rui Moreira e seu admirador confesso até ao final da semana passada.
Que campanha Manuel Pizarro fará? Uma oposição de ataque a Rui Moreira, depois de quatro anos em lua de mel apaixonada e muito romântica? Irá Pizarro criticar o executivo do qual foi número dois – ou seja, criticar-se a ele próprio? Uma confusão pegada, que mostra bem a essência do PS de António Costa…
4.Dito isto, esta historieta põe em evidência uma realidade de que muitos já desconfiavam e que agora se confirma: a aliança Marcelo Rebelo de Sousa/Luís Marques Mendes está mais viva do que nunca – e tem uma intensa actividade política, com uma agenda preenchida e bem focada. É público e notório que Marcelo continua a utilizar Luís Marques Mendes para passar mensagens políticas precisas: o Presidente da República entende que a televisão ainda é o principal instrumento de difusão de mensagens políticas, importando ter do seu lado os comentadores com melhores ratings , isto é, audiências televisivas.
4.Ora, para Marcelo, Luís Marques Mendes é o comentador mais ouvido em Portugal – logo, convém que a sua mensagem reproduza a mensagem do Presidente, reforçada pela capa da (pseudo) independência e imparcialidade.
Para além de contar na sua equipa com a ex-moderadora do espaço de comentário de Marques Mendes (Maria João Ruela), Marcelo Rebelo de Sousa telefona quase diariamente ao comentador da SIC – para além dos jantares regulares entre os dois, normalmente aos sábados, em que afinam o discurso. Não por acaso Luís Marques Mendes inclui quase sempre um ponto sobre a agenda do Presidente da República, mesmo que seja aparentemente irrelevante.
5.Pois bem, como é que Marques Mendes soube do convite de António Costa a Júlio Magalhães? Fácil: a fonte chama-se…Marcelo Rebelo de Sousa.
Júlio Magalhães e Marcelo são amigos de longa data, partilham momentos veraneantes na Praia da Conceição ou no Tamariz, falam-se regularmente, havendo uma grande cumplicidade entre os dois, ao ponto de Marcelo telefonar ao “Juca” (forma como o Presidente da República se refere a Júlio Magalhães) nos intervalos e no final dos jogos do Futebol Clube do Porto.
6.E Júlio Magalhães pede conselhos vários a Marcelo Rebelo de Sousa sobre a sua vida pessoal e profissional. Ora, perante o convite de António Costa, quem é que Júlio Magalhães, certamente, foi auscultar antes de tomar uma decisão definitiva? O próprio Marcelo Rebelo de Sousa.
Marques Mendes não conhece ou, pelo menos, não tem uma relação de tamanha proximidade com Júlio Magalhães – nem tão pouco alguém do PS lhe passaria informação tão sensível e que poria (como põe) em xeque o partido.
7.Esta informação, e a forma como foi revelada, é a cara de Marcelo Rebelo de Sousa. Marcelo terá sabido do convite na sexta-feira ou mesmo no sábado (no intervalo do Marítimo-Porto, nos seus telefonemas habituais futebolísticos a Júlio Magalhães?), tendo, logo de seguida, passado a Marques Mendes.
Objectivo de Marcelo: entalar António Costa, tentando que o PS tenha um resultado humilhante no Porto, reequilibrando o peso político de cada partido no pós-autárquicas.
8.Ou seja, como o PS ganhará sem dificuldades Lisboa, Marcelo quer que o PS tenha uma derrota tão estrondosa no Porto como o PSD terá em Lisboa. Desta forma, nenhum partido poderá reclamar uma vitória clara – o que mantém a preponderância política de Marcelo intacta.
Por outro lado, Rui Moreira é um dos aliados políticos mais queridos de Marcelo Rebelo de Sousa, cobrindo todas as iniciativas presidenciais marcelistas no Porto – Marcelo já disse mesmo aos seus mais próximos que sente uma grande empatia com Rui Moreira. Donde, para Marcelo, o ideal é Rui Moreira continuar como edil da cidade Invicta.
Em terceiro lugar, fica provado que Marcelo, à beira dos setenta anos, não muda: não resiste a uma boa intriga política.
Perante a informação de Júlio Magalhães, Marcelo ficou com ânsia de divulgar o convite de Costa ao director do Porto Canal: passar a um jornalista seria demais e perigoso nesta fase; ele próprio divulgar como se ainda fosse comentador seria tentador e do seu agrado, mas seria insólito atendendo ao seu estatuto de Presidente da República. Solução: transmitir a informação ao seu amigo Luís Marques Mendes, que, com isto, passa a dever (mais uma) a Marcelo…
9.É uma singularidade, mas uma evidência neste nosso Portugal: o Presidente da República tem uma aliança insólita com um comentador televisivo, ambos partilhando as respectivas agendas políticas. Quem poderá dizer que o nosso país não é original?