Macron. Entrou no Eliseu um coelho com pé esquerdo

O novo presidente francês treina ténis sempre que pode e jogou futebol na universidade, como defesa, sem grande jeito

Numa entrevista recente à Radio France, o então candidato ao Eliseu Emmanuel Macron não escondeu as suas preferências clubísticas: “Sou adepto do Olympique de Marselha desde a adolescência. Vivi nesse tempo os grandes anos do clube e entusiasmei-me com as equipas fantásticas que teve. Fiquei sempre preso a isso.” Não faltou quem o criticasse. Sobretudo aqueles que têm uma visão mais consumista da política, encarando–a na sua vertente de obtenção de resultados. Que era coisa para fazer perder uma eleição; que nunca um candidato a um cargo de responsabilidade como o de Presidente da República Francesa deve manifestar este tipo de simpatias; que se levantariam muitas vozes insatisfeitas contra Macron. Pois Emmanuel terá pensado: “Je m’en fiche!” E foi eleito.

A sua primeira atuação oficial como presidente – toma posse no dia 14 – no campo desportivo já tem data marcada: 27 de maio. Final da Taça de França. Macron estará presente para entregar o troféu ao vencedor, seja ele o Angers ou o Paris Saint-Germain. E, dizem os que o conhecem bem, não tem sido frequentador de estádios de futebol nos últimos anos. Pelo menos, não frequentemente.

Oitavo presidente da v República, Emmanuel Macron não foi eleito por entre o entusiasmo geral. Nem dos franceses, nem dos restantes europeus, ainda que seja visto como um mal menor perante a sua adversária na segunda volta das eleições, Marine Le Pen, recentemente mais Marine e menos Le Pen, que o apelido, às vezes, parece estar contaminado por alguma praga de bexigas doidas.

Apaixonado sobretudo pelo ténis, Macron chegou a ter um personal trainer, como está na moda dizer-se, um tal de Patrice Kuchna, antigo profissional que, apesar de meia dúzia de participações em Roland Garros, nunca chegou aos cem primeiros do ranking mundial. Pouco importa. É um dos homens de confiança do novo presidente francês, que aproveita os fins de semana para bater umas bolas, dizem as más línguas que de uma forma vergonhosamente rudimentar. Kuchna não tardou a surgir na imprensa francesa depois da vitória eleitoral de Macron, ao fim e ao cabo apenas um rapazinho, se nos ativermos aos seus ainda curtos 39 anos. E não se poupou em elogios ao seu pupilo: “Ele trabalha no duro. Tem uma cadência forte. Quando treina é para dar o máximo!” Evitou, como se percebe, entrar pelo caminho da análise técnica. Mas, acredito, a França também não deve estar muito preocupada com os dotes do seu novo presidente quando tem uma raquete na mão.

O coelho Mal o soube eleito, o Comité de Organização dos Jogos Olímpicos de Paris-2024 saudou Emmanuel Macron com enorme vivacidade: “Sabemos que o Presidente da França vai ser o ator principal desta candidatura parisiense à organização dos Jogos. Iremos, mal seja possível, debater com ele o projeto no qual estamos a trabalhar. Para a imagem da França no exterior, a eleição de Le Pen teria significado um rude golpe e deixar-nos-ia perante obstáculos muito maiores nesta nossa iniciativa.” Bernard Lapasset e Tony Estanguet, os dois copresidentes do Paris-2024, trataram de vir publicamente felicitar Macron e afirmar a convicção de que as diferenças entre o presidente da República e a presidente da Câmara de Paris serão ultrapassadas tendo em vista a importância do evento. Recorde-se que Anne Hidalgo, a maire, foi desde a primeira hora apoiante de Benoît Hamon, o candidato presidencial que seria afastado na primeira volta. “Eles não se apreciam politicamente, mas estão em acordo total no que ao dossiê dos Jogos Olímpicos diz respeito”, asseverou ao “L’Équipe” Christophe Castaner, o porta-voz da candidatura parisiense.

Se o ténis é o desporto favorito de Emmanuel Macron, o futebol vem logo a seguir na hierarquia das preferências. Chegou mesmo a praticá-lo durante muitos anos, nos seus tempos de estudante na École Nationale d’Admnistration (ENA). Voltando à entrevista concedida à Radio France e ao jornalista Jacques Vendroux, Macron confessou: “Jogava geralmente a defesa esquerdo. Não era nenhum prodígio de técnica. Mais do género teimoso, que não gosta de dar lances como perdidos. Mas já não jogo futebol há uns dez anos.”

Não se terá perdido grande coisa, pelos vistos, embora o seu treinador pessoal, Patrice Kuchna, revele um pouco mais sobre os atributos do jovem presidente: “Tem uma boa planta física e corre como um coelho. Além de uma vontade grande de aprender.”

O coelho entra agora pela porta principal do Palácio do Eliseu e não terá, certamente, muito tempo livre para dedicar aos seus treinos de ténis. Embora também haja quem recorde que, entre agosto de 2014 e agosto de 2016, ao tempo em que foi ministro da Economia e da Indústria no governo de Manuel Valls, conseguia sempre retirar-se um ou dois dias para a sua casa de Touquet, mais precisamente Le Touquet-Paris-Plage – como tanto gostam os franceses de encher de hífenes a sua toponímia –, em Pas-de-Calais, e dedicar-se vigorosamente aos seus treinos.

Visto um pouco por toda a imprensa francesa como um rapaz ambicioso mas sem grande estrutura, influenciável pela personalidade da sua mulher, Brigitte, uma professora 25 anos mais velha do que ele, e produto mediático para consumo imediato, Emmanuel Macron está perante o desafio mais importante da sua vida num momento intenso da história de França. Será tempo de ser mais raposa do que coelho, certamente. Os amigos mais íntimos conhecem-no por Manu e garantem que, apesar da velocidade com que arranca, é bem mais um corredor de fundo. Kuchna acrescenta: “Não perdoa os seus próprios erros. Procura sempre perceber porque errou e recomeça do ponto de partida. Nunca conheci um político que fosse bom no ténis. Mas também não conheci nenhum que se treinasse com esta perseverança.”

O novo presidente da República Francesa gosta de ténis e de futebol. Continuará a não frequentar muito os estádios e a preferir a televisão. Faltam-lhe as alegria que o seu clube, o Marselha, lhe dava. E diz: “Sou um filho do 26 de Maio de 1993.” O dia em que o Olympique ganhou a Taça dos Campeões.