Chegada a fase das declarações finais, no âmbito do interrogatório de quarta-feira, perante Sérgio Moro – o juiz responsável pelas investigações da imensa Operação Lava Jato -, em Curitiba, Luiz Inácio Lula da Silva resumia, desta forma, o que se havia passado nas quase cinco horas anteriores: “A acusação tem que ser séria, fundamentada, não pode ser especulativa. E hoje, a acusação é muito mais feita pela capa dos jornais do que pelos dados concretos das perguntas que vocês me fizeram. Sinceramente, se for por essas perguntas (…) o doutor Moro nem deveria ter aceitado a acusação”.
Sob os ombros do ex-presidente do Brasil incidem denúncias por três crimes de corrupção passiva qualificada e por outros três crimes de lavagem de dinheiro, num total calculado de 3,7 milhões de reais (cerca de 1 milhão de euros) que, alegadamente, passaram pelos seus bolsos. A suportar a decisão do Ministério Público em abrir o processo judicial está a suposta aceitação, por parte de Lula e da sua mulher Marisa Letícia – falecida no passado mês de fevereiro -, de um apartamento de luxo em Guarujá, da empreiteira OAS, em troca de favorecimentos ilícitos da empresa estatal Petrobras.
Lula da Silva voltou a negar a aquisição do referido imóvel e desafiou a justiça a apresentar provas. “O Ministério Público tem algum documento de que comprei o apartamento, alguma escritura? Pelo amor de Deus, mostrem! Não basta levantar uma tese e uma pessoa ser massacrada pelos meio de comunicação”, contestou o político de 71, do Partido dos Trabalhores (PT).
O tratamento imerecido que a imprensa brasileira lhe tem oferecido foi o principal argumento apresentado por Lula, durante os cerca de 20 minutos de que dispôs para as declarações finais, gravados e tornados públicos. O antigo presidente criticou os constantes “vazamentos” de informações relacionadas com o seu processo – incluindo conversas privadas com a mulher e os filhos – “dias antes” de os seus advogado serem notificados sobre as mesmas e apresentou, ao pormenor, a quantidade de vezes que órgãos de comunicação social como a “Veja”, o “Estadão”, a Globo ou a “Folha de São Paulo”, contribuíram, com peças noticiosas, para criar a imagem “do monstro do Lula”.
O tempo dedicado pelo acusado à comunicação brasileira no seu depoimento final deu origem a interrupções constantes, por parte de Sérgio Moro, que insistiu que a imprensa “não teve qualquer papel” no julgamento e que Lula da Silva está naquela situação “porque existe uma acusação criminal”. Mas o homem que liderou o Brasil entre 2003 e 2010 não acredita nesta tese e diz mesmo que a falta de provas está a causar problemas no suposto conluio. “O comprometimento entre a justiça e a acusação com a imprensa está levando a um impasse. Porque alguns canais de televisão e jornais fizeram disso a sua peça principal de notícia e agora estão com dificuldades: ‘como é que isso vai acabar se esse tal de Lula for [declarado] inocente?’”, ironizou Lula.
“Estou vivo”
O alegado esquema em que Lula da Silva estará envolvido foi esmiuçado ao pormenor, em setembro de 2016, pelo procurador Deltan Dallagnol, numa famosa apresentação com recurso a um powerpoint, na qual apresentou 14 justificações para se poder rotular Lula como o “verdadeiro maestro da orquestra do crime” e “comandante máximo” do esquema de corrupção e de desvio de dinheiros públicos, destinado “à perpetuação criminosa no poder”.
Ora o antigo presidente não tem dúvidas de que tais acusações resultam de “perseguição política”. “Fizeram um powerpoint porque já tinham a tese anterior de que o PT era uma organização criminosa e de que eu montei o governo para roubar. Estou sendo vítima da maior caçada jurídica que um político brasileiro alguma vez sofreu”, acusou.
É precisamente pela revolta que diz sentir, ao ver o seu nome lançado para a lama, que Lula da Silva está determinado em avançar para as eleições presidenciais de 2018. Pouco depois do interrogatório, juntou-se aos milhares de apoiantes que se juntaram no centro da cidade de Curitiba, no estado do Paraná, – que também contaram com a presença da ex-presidente Dilma Rousseff e dos senadores Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias – para garantir, citado pela Carta Capital, que “está vivo” e que “nunca teve tanta vontade como tem agora” de se candidatar à presidência do Brasil. Para além disso, Lula confessou estar ansioso de voltar a mostrar “à elite brasileira” como “um metalúrgico com quatro anos de escola primária vai consertar o país”.