Todavia, sob essa capa religiosa fundamentalista, que controla o poder político, está uma sociedade civil vibrante. Para pena minha, nunca fui ao Irão, o que conheço do país é através da televisão e do seu cinema. Por isso, fiquei muito surpreendido (e como eu muita gente), quando em 1997 o vencedor do importante e prestigiado festival de cinema de Cannes foi para “O Sabor da Cereja”, do realizador Abbas Kiarostami. Um filme sobre o suicídio.
O tema do filme, claro, gerou polémica e incómodo entre as pessoas que, por uma razão ou por outra, são mais sensíveis ao tema. O suicídio sabe sempre, para os que com ele tiveram de lidar, a um roubo irrecuperável. O espantoso foi como aquele filme conseguiu ganhar a Palma de Ouro em Cannes. Realizado com pouquíssimos meios, apenas com uma câmara que nos vai mostrando sucessivamente o condutor de um automóvel (o suicida) e as sucessivas pessoas a quem ele vai dando boleia, sem qualquer efeito especial, o crítico de cinema do Financial Times ou do The Economist (já não me lembro) chamou ao filme “o anti-Hollywood”. Acho que é a crítica perfeita. Todavia, e apesar da sua exiguidade de meios e da clareza de linguagem que adota, o filme não é enfadonho.
Vinte anos passados, vivemos sobre o culto da celebridade. Todos querem ser célebres. E eu, que da temática pouco mais sei que Brad Pitt e Angelina Jolie se divorciaram, fico espantado ao ponto a que a nossa psique coletiva mudou. Como todos sabem, existe agora um jogo na internet, a Baleia Azul, cujo último nível exige o suicídio do participante.
Se, por esse ou por outro motivo, está a considerar o suicídio, ou se lida com alguém que esteja, peço-lhe que não deixe de ver “O Sabor da Cereja”. Penso que no Youtube existe uma versão legendada em português brasileiro, que se chama “O Gosto da Cereja”. Se é fluente em inglês, procure The Taste of Cherries. Vendo o filme, a sua decisão, seja ela qual for, mas que espero que seja a de ficar deste lado, connosco, será um pouco mais considerada.
Porque, apesar do tema ser pesado, este não é um filme negro, desprovido de esperança. E, para os adeptos da fama, tem uma história muito curiosa sobre como o ator principal (Abdolrarhman Bagheri) foi escolhido. Este homem é arquiteto de profissão. Mas o realizador do filme, cruzando-se com ele na rua e impressionado pela expressão da sua cara, meteu conversa, num engarrafamento em Teerão: “perguntei-lhe se queria ser ator num filme sobre suicídio. Ele disse que sim, mas não sorriu. Soube nesse momento que tinha acertado.” Com o êxito do filme Bagheri abandonou completamente a arquitetura, e é hoje – e unicamente – um ator profissional.
O êxito e a alegria ou a raiva e a frustração podem acontecer a qualquer pessoa, em qualquer lugar. Como hoje, 12 de maio, em que comi as primeiras cerejas de 2017. E gostei.