Pouco mais de uma semana depois de Donald Trump ter juntado uma legião de republicanos nos jardins da Casa Branca, para festejar a aprovação da proposta de lei de revogação e substituição do Obamacare na Câmara dos Representantes, Washington volta a estar no centro das atenções da comunicação social norte-americana e internacional. Mas não pelas razões que o Presidente dos Estados Unidos gostaria. Ao anúncio surpreendente, de terça-feira à noite, que deu conta da decisão da administração Trump de afastar o diretor do FBI James Comey – pela segunda vez na História dos EUA e vinte e quatro anos depois de Bill Clinton também o ter feito – seguiram-se dias confusos para os lados da Sala Oval, com o levantamento de suspeitas da oposição, manifestações de estupefação dentro do Partido Republicano e justificações pouco convincentes da liderança norte-americana.
Os assessores de imprensa da Casa Branca, Sean Spicer e Sarah Huckabee Sanders, o vice-Presidente dos EUA, Mike Pence, e o próprio Trump – este último através de um comunicado escrito – foram explicando, durante a semana que passou, que o afastamento do responsável máximo pela agência federal de investigação policial se deveu às recomendações do procurador-geral, Jeff Sessions, e do homem que ocupa o cargo imediatamente abaixo na hierarquia do Departamento de Justiça norte-americano, Rod Rosenstein. De acordo com as explicações daqueles, tornadas públicas em dois comunicados, o afastamento de Comey deveu-se à forma inadequada como liderou as investigações do caso dos emails da ex-Secretária de Estado e ex-candidata presidencial, Hillary Clinton, agravada pelas declarações imprecisas que havia proferido recentemente junto do comité judicial do Senado que acompanha o processo.
Acontece que o agora ex-diretor do FBI liderava igualmente o inquérito sobre as supostas ligações entre a equipa de campanha republicana e elementos próximos da Federação Russa e, segundo o Wall Street Journal, teria mesmo solicitado mais fundos para a investigação. O timing da demissão foi, por isso, recebido com enorme suspeição junto da oposição democrata, mas também de alguns membros do GOP. Em declarações à NPR, o senador democrata Tim Kaine insinuou que a administração Trump está «profundamente assustada» com o inquérito sobre o alegado papel do Kremlin nas eleições do ano passado e o congressista Adam B. Schiff disse ao Washington Post que os sinais oriundos da Sala Oval sugerem uma «interferência descarada da Casa Branca numa questão criminal». E Richard Burr, o republicano responsável pelo comité de Inteligência do Senado, depois de se confessar «preocupado com o momento e a justificação da demissão», decidiu acelerar as investigações, intimando o antigo conselheiro de Segurança Nacional, Michael Flynn – demitido menos de um mês depois de assumir o cargo, devido a contactos que terá mantido com Moscovo –, na quarta-feira, a entregar documentos relevantes para a as mesmas.
Comunicações contraditórias
Donald Trump é um homem intempestivo, já se sabe. E por isso ninguém estranhou vê-lo responder a estas manifestações de desagrado, num primeiro momento, através da sua conta pessoal de Twitter. Poucas horas antes de receber na Casa Branca o Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, o Presidente partilhou quatro mensagens naquela rede social, nas quais acusava os «impostores hipócritas democratas» de terem mudado de opinião sobre Comey, depois de o criticarem duramente, por ocasião da decisão do antigo diretor de reabrir o inquérito a Hillary, 11 dias antes das eleições presidenciais. «Disseram […] que ele devia ser despedido, mas agora mostram-se muito tristes», ironizou Trump, justificando o afastamento com a «perda de confiança de quase todos em Washington» e garantindo que o ex-diretor será «substituído por alguém que fará um trabalho bastante melhor» e que recuperará «o espírito e prestígio do FBI».
Mas os tweets do Presidente dos Estados Unidos não ajudaram a dissipar as críticas – houve mesmo quem tenha feito comparações com o Watergate, o escândalo político que culminou na renúncia de Richard Nixon, nos anos 70 – e, por isso, Trump decidiu ir à televisão clarificar a decisão de afastar o líder do FBI. Só que o resultado foi manifestamente distinto do pretendido.
Em entrevista ao jornalista Lester Holt, da NBC News, na quinta-feira, o magnata acabou por contradizer o que tinha sido dito até aí pela sua equipa, ao admitir que já tinha planeado demitir Comey há algum tempo, «independentemente das recomendações» do Departamento de Justiça. «O FBI tem estado num caos. Você sabe disso, eu sei disso, todos sabem disso», justificou Trump.
Tal confissão choca de frente com a mensagem transmitida, durante toda a semana, por Spicer, Sanders e Pence e até com as declarações de Andrew McCabe, o diretor interino do FBI que, numa audiência no Senado, horas antes da entrevista ir para o ar, negara que Comey estivesse a fazer um mau trabalho e que tenha perdido a confiança da restante agência. Foi por isso que Trump decidiu voltar à sua zona de conforto – o Twitter, claro – na sexta-feira de manhã, para explicar o porquê da comunicação contraditória republicana. «Sendo [eu] um Presidente muito ativo [e] com tantas coisas a acontecer, não é possível aos meus assessores subirem ao palanque com a precisão perfeita», ‘tweetou’ o chefe de Estado norte-americano, antes de ameaçar, de forma (aparentemente) irónica, com o cancelamento dos briefings à imprensa.
Trump e a Rússia
Da entrevista de Trump à NBC destaca-se igualmente a revelação sobre o conteúdo das conversas que o próprio teve com James Comey. O problema é que, confirmando-se a veracidade das mesmas, coloca-se em causa contra o modus operandi das investigações do FBI. Tal como McCabe fez questão de reforçar, durante a audiência de quinta-feira, os funcionários da agência federal estão proibidos de comentar, com quem quer que seja, o estado de investigações em curso.
O Presidente norte-americano diz que questionou diretamente Comey sobre o inquérito às suspeitas de ligações entre Moscovo e pessoas próximas da sua administração – uma «charada fabricada pelos democratas», para justificar a derrota nas presidenciais, segundo consta sua conta de Twitter – e obteve uma resposta que o deixou satisfeito. «Perguntei-lhe: seria possível dizer-me se estou a ser investigado? Ele respondeu: não está sob investigação». Revelada a informação, no dia seguinte, Trump voltou às redes sociais: «É melhor James Comey esperar que não haja gravações das nossas conversas, antes que comece a ‘vazar’ para a imprensa!», escreveu.
A exposição mediática deste caso não vem nada a calhar para a nova administração, numa altura em que procura convencer o Senado a substituir o programa de saúde de Barack Obama pelo American Health Care Act, de Donald Trump, uma batalha que se avidivinha longa e cansativa. Além do mais, a presidência norte-americana ainda não conseguiu andar para a frente com a maioria das suas promessas eleitorais, mais de 100 dias depois da tomada de posse do Presidente, pelo que não lhe convém seguramente perder tempo de antena com questões que consideram paralelas. Neste sentido, o novo acordo comercial EUA-China [ver página 55] pode ajudar a dissipar as nuvens negras que pairam por cima da Casa Branca, por estes dias. As «VERDADEIRAS notícias», como as rotulou Trump. No Twitter, claro está.