No último ano, a vida da concelhia do PSD/Lisboa tem sido atribulada. Um presidente [Mauro Xavier] demite-se para “não voltar a votar Passos Coelho”, um presidente interino [Rodrigo Gonçalves] em tensão com a direção… Foi difícil lidar com a turbulência?
Há dois momentos distintos. O PSD/Lisboa apostou num candidato, quase já tradicional, que tinha as melhores condições para apresentar um projeto, que era Pedro Santana Lopes. Quando Pedro Santana Lopes nos comunicou a sua indisponibilidade, refletimos. Isso comprovava que o partido falhou nos últimos anos em conseguir um verdadeiro envolvimento para o projeto autárquico em Lisboa. Aprovou–se depois uma iniciativa que pedia apoio ao presidente de partido [Pedro Passos Coelho] para encontrar um candidato. O que não fez sentido foi o segundo momento, quando alguns dirigentes da concelhia foram incoerentes com essa iniciativa.
Está a falar de Rodrigo Gonçalves?
Estou a falar de não se poder virar para o presidente do partido e dizer-lhe: “Olhe, seja candidato.” Se dizemos às pessoas que um presidente de câmara municipal é alguém para cumprir um mandato, como é que convidamos alguém que daí a dois anos é candidato a primeiro-ministro? Isso é não ser sério com os lisboetas, não ser sério com o presidente do partido ou não querer que ele seja candidato a primeiro-ministro. Se o PSD/Lisboa disse que era Pedro Passos Coelho a escolher, não se pode dizer depois que “é a candidata do presidente do partido”, e não a candidata do partido, tinha de se dizer “a escolha dele é a minha escolha”.
O presidente interino ainda tem condições para exercer o cargo?
No PSD não há crime de delito de opinião – veja que José Eduardo Martins é número um à assembleia municipal e foi um crítico do governo PSD/CDS. Mas o presidente interino [Rodrigo Gonçalves] fez algo que não devia ter feito. Veio para a comunicação social dizer o que ia fazer antes sequer de reunir a comissão política da concelhia. Agora, não faz sentido haver eleições para o lugar quando faltam poucos meses para as eleições autárquicas: a prioridade é debater o futuro com a sociedade lisboeta, não deve ser perder um mês a discutir política interna.
E depois das autárquicas, vê-se a liderar o projeto do PSD/Lisboa?
Sobretudo vejo-me a colaborar com a concelhia enquanto membro da comissão política, a participar muito ativamente no projeto que temos. Talvez o principal problema dos espetáculos a que temos assistido seja haver gente a pensar no dia 2 de outubro [pós-eleições] e outra gente a pensar no dia 1 de outubro [dia da ida às urnas]. Aí, lembro-me sempre de Sá Carneiro: em primeiro lugar, o país; em segundo lugar, o partido; e em terceiro lugar, a nossa ambição individual.
Em 2013, nas últimas autárquicas, o PSD venceu cinco das 24 juntas de freguesia em Lisboa. Sem coligação com o CDS, não temem perder o “penta”?
As autarquias locais têm uma dimensão fascinante no panorama político: as pessoas começam a abandonar padrões tradicionais, como os partidos ou as ideologias, e a votar no bom trabalho que conhecem. É por isso que as juntas de freguesia têm, muitas vezes, resultados tão diferentes da câmara municipal propriamente dita. E, historicamente, tanto o PSD como o CDS têm mais participação eleitoral quando concorrem sozinhos, que é o que sucede este ano. A soma das duas votações individuais é sempre maior que o resultado da coligação.
Como autarca em Lisboa, concorda que precisamos mesmo de 20 novas estações de metropolitano, como foi dito pela candidata do CDS-PP?
A questão é que aquilo que se discute atualmente é a prioridade a curto prazo: não foi apresentado um verdadeiro plano para a cidade a longo prazo. O de 2009, que já foi mudado, apresentava ramificações de metro que nem estão a ser discutidas atualmente. Hoje há um conjunto de propostas que estão a ser desenhadas em gabinetes sem ter em conta o que são as necessidades dos lisboetas. A rede metropolitana é uma ferramenta de mobilidade na cidade e está a ser discutida às escondidas da população. Esse é o desafio que falta cumprir.
Pelo executivo camarário?
Duvido que o executivo camarário esteja a participar porque quem sancionar estas opções só pode desconhecer Lisboa. Isto está a ser discutido a nível governamental, são apresentadas algumas hipóteses ao presidente da câmara e ele dirá sim ou não. Não quero acreditar que este plano seja uma reflexão de quem pense a cidade todos os dias…
Mas para quem pensa a cidade todos os dias, de que metro precisamos no longo prazo?
O metro deve ter dois objetivos: servir o maior número de lisboetas possível e, em segundo lugar, tirar o maior número possível de carros, não só dos cidadãos como dos cerca de 400 mil que fazem o movimento pendular diário (vêm de fora trabalhar dentro). O facto de a reflexão não se dirigir aos centros de maior densidade populacional da cidade nem aos principais acessos mostra que ela é distante do realmente necessário.
Se não fosse uma discussão feita a nível executivo, cada autarca não acabaria a lutar pela sua freguesia?
Não. Veja o meu exemplo: este projeto dava duas estações na Estrela e eu não fiquei calado. Essas estações na Estrela são importantes, mas não são prioritárias.
E quais seriam?
A extensão da linha que assegure o lado ocidental da cidade. Passa pela freguesia da Estrela, de Alcântara, Ajuda, Belém… Se for uma linha que passe por Campo de Ourique, ainda melhor, porque une os três principais eixos de entrada em Lisboa: a Marginal, a ponte sobre o Tejo e a A5.
Quando Assunção Cristas pede 20 estações, terá sido mais pela quantidade que pela qualidade do projeto?
Aquilo que vemos foi, talvez, um exercício algo difícil e incompreensível. Qualquer pessoa se sente tentada a desenhar linhas por cima de um mapa da cidade, isso é fácil, só que quem sugere – seja 20 estações, seja duas estações – tem de justificar o porquê. E nós não vimos isso de uma forma plausível ou minimamente sustentada.
Se é consensual retirar o excesso de automóveis da cidade, não é errado fazer as obras antes de os transportes públicos estarem preparados para acolher quem deixa de guiar?
Completamente, e eu ainda vou mais longe: não é só a questão dos transportes públicos, são as pessoas e as rotinas, famílias que levam crianças à escola todas as manhãs e seguem para o seu trabalho. Por exemplo, a maior parte dos lisboetas não alugaram casa, compraram casa, e isso é um investimento para a vida. Muito dificilmente farão grandes deslocalizações, como é natural, mas em Lisboa tudo foi feito ao contrário. Eu não posso chegar a meio do ano escolar e dizer às famílias: “Agora deixam de vir de carro porque não cabem.” Isso não tem sentido. As pessoas não vão deixar de entrar na cidade e os filhos não vão deixar de vir à escola. A rede de transportes não está pensada para garantir alternativas aos automóveis e isso não se muda em dois anos.
O plano foi imediatista?
O plano, mais do que imediatista, foi irrefletido. Não se retiram as pessoas dos seus circuitos tradicionais a meio do ano letivo sem se proporcionarem alternativas. O grande dilema é que as pessoas continuaram a entrar na cidade e a qualidade de vida dos moradores saiu prejudicada exponencialmente.
E como se revolve?
Agora há um problema muito grave. Como se fez tudo ao contrário, é impossível anulá-lo: não podemos reverter as obras. O que temos de fazer é um plano de reestruturação. Por isso é que não entendo esta solução do metro: investir 300, 400 milhões nos próximos sete anos em algo que não assegura alternativas a quem não as tem. É fundamental partilhar conhecimento para se conseguirem soluções a partir do quotidiano das pessoas, não são só mais elétricos ou autocarros que resolvem o problema.
É a primeira vez que oiço alguém do PSD dizer que “foi tudo feito ao contrário em Lisboa”. Não houve falta de oposição à Câmara de Fernando Medina?
Mas foi dito. Na assembleia municipal chamámos consistentemente a atenção para isto, tanto eu, como presidente de junta de freguesia, como o líder de bancada (Sérgio Azevedo, também deputado). Nós não criticamos a obra pela obra, criticamos a sua organização. Foi feita claramente numa posição de pressionar timings eleitorais. Repare: porque é que a obra da Segunda Circular não avançou? Porque havia dúvidas sobre a sua concretização antes das eleições.
E não houve um contraste entre a oposição feita na assembleia municipal e a feita pelos vereadores do PSD? A assiduidade não foi a maior, nem de Teresa Leal Coelho nem de Fernando Seara…
Cada órgão tem o seu espaço e as suas condições para fazer política. Os vereadores da câmara têm uma dificuldade acrescida: as reuniões de executivo têm 11 vereadores, com o Partido Socialista. O PSD quis criar condições para debate e para contribuir com propostas, e estas foram totalmente rechaçadas.
Mas Assunção Cristas não é deputada municipal nem vereadora e faz forte oposição ao executivo de Medina… Teresa Leal Coelho, por outro lado, mal se vê… Isso não o preocupa?
Não vejo o envolvimento comunitário como uma disputa de popularidade… Teresa Leal Coelho tem feito um caminho sereno. Durante quatro anos foi vereadora, acompanhou as pastas e, agora que lhe foi lançado este desafio, tenho-a visto em reuniões com instituições…
… e consigo?
Sim, já reuniu comigo duas vezes. Mas mais importante que receber o feedback dos autarcas com quem esteve em ligação nos últimos quatro anos é ter informações da comunidade que serve, e é isso que tem feito. Note que não é útil, quando se procura compreender os problemas de determinado meio, andar com câmaras de televisão atrás. Isso inibe as pessoas de falarem sobre os seus problemas.
Está a falar de Assunção Cristas?
Estou a falar de um “número”. A partir do momento em que se traz a pressão mediática, as pessoas sentem-se condicionadas… Para mim, esse é o grande desafio do autarca de hoje: alguém que abdique da sua presença física em prol da verdadeira resolução dos problemas. Não acredito que a política de proximidade seja só ser recebido pelo presidente de junta – isso faz lembrar o presidente da junta do Herman José (risos). Gosto de resolver problemas: com fotografia ou sem fotografia.