«O vento cala a desgraça»

Esta frase, escrita no passeio na Av. de Roma, e cuja fotografia me foi enviada pela Francisca, é um verso de um conhecidíssimo poema de Manuel Alegre, por muitos conhecido na versão cantada por Adriano Correia de Oliveira e musicada por António Portugal.

Escrito durante a ditadura em Portugal, o poeta queixa-se: «Pergunto ao vento que passa / Notícias do meu país / E o vento cala a desgraça / E o vento nada me diz». O vento não lhe traz notícias, mas, no fundo, «cala» as más notícias, a desgraça. Conhecido é de todos este período da nossa infausta história, em que não havia liberdade de expressão (obviamente, para além de todas as outras liberdades em falta) e em que, portanto, seria impossível encontrar frases, como esta, escritas na rua.

É, pois, muito significativo que esta frase surja escrita em local visível, no período que o País tem vivido nos últimos tempos. Trata-se de uma crítica política, contra governos que impõem medidas portadoras de «desgraça» à população. Muitas foram as vítimas da austeridade, muitos são os que se viram reduzidos a uma vida de «desgraça». Porém, desses já não se fala, agora que os tempos são outros. É como se o vento calasse as notícias, não as denunciando a todos.

Ora, como diz outro poeta, Francisco d’Eulália: «vento de que te serve ser vento / se não olhas / não páras». Porque, efetivamente, o vento costuma transportar o som, costuma ser símbolo de propagação de notícias. E, se não o faz, não cumpre o seu propósito.

Mas, já que o vento de nada serve, os artistas contestatários recorrem às ruas para divulgar a sua arte, para fazer ecoar o que pensam, para passar a sua mensagem.

Como já temos visto nas várias palavras / frases que «em todas as ruas (…) encontro», há, por todo o lado, mensagens de esperança e desesperança, de humor e tristeza, de constatação ou de contestação, ou, apenas, afirmações pontuais e casuais, que nos levam a uma reflexão sobre o seu significado, ou sobre o significado da própria vida. Porque, no fundo, a vida é «fixe»!

 

Maria Eugénia Leitão, Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services