Brasil. Temer está por um fio

A denúncia de casos de corrupção coloca o Brasil à beira de um nova crise política. Temer está por um fio.

Milhares de brasileiros saíram às ruas nas principais cidades do país a exigir a demissão de Michel Temer, cuja presidência entrou subitamente em queda-livre. Dos grandes protestos de quinta-feira em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, por exemplo, onde a polícia carregou contra manifestantes e lançou granadas de gás lacrimogéneo, as televisões brasileiras passaram para as gravações áudio em que Temer parece pedir subornos em nome do silêncio de um dos maiores nomes da investigação da Lava-Jato. Quinta-feira, os brasileiros leram sobre as gravações. Ontem, ouviram-nas. E, ao final do dia, o procurador-geral brasileiro pediu formalmente ao único órgão capaz de investigar Temer que o fizesse por três crimes:_obstrução à Justiça, corrupção passiva e organização criminosa. No pedido que enviou ontem ao Supremo Tribunal, Rodrigo Janot disse-se «perplexo». A grande dúvida agora é sobre quanto tempo pode Temer resistir no poder.

Michel Temer até pode ter ido à televisão garantir que está inocente e que não tem intenção de renunciar ao cargo. Até disse «nada temer». Mas a maioria parlamentar que apoia o seu Governo PMDB, e que representa quase 80% dos deputados e senadores, parece prestes a implodir. Membros do PSDB, DEM e PPS já se tinham colocado em fuga, ainda um dia não tinha passado das primeiras revelações pela mão dos donos da maior empresa de carnes do mundo, a JBS. O PTN e o PSB desertaram depois do discurso televisivo. O_próprio PSDB, o grande fiador do impeachment de Dilma Rousseff, considerou abandoná-lo em massa. Isso depois de substituírem o seu presidente, envolvido no mesmo esquema de corrupção que Temer e a JBS.

A denúncia de dois administradores da empresa de carnes, os irmãos Joesley e Wesley Batista, revela Temer numa manobra para comprar o silêncio do ex-presidente do Senado, Eduardo Cunha, preso desde outubro. A acusação ao Presidente é acompanhada de gravações que envolvem, para além de Temer, o então líder do PSDB, um dos maiores aliados de Temer, o senador Aécio Neves.

Os empresários terão feito as gravações com os políticos no mês de março, e ido negociar com elas uma ‘delação premiada’, uma figura jurídica brasileira que permite que envolvidos em crime de corrupção possam denunciar os crimes em troca de penas muito menores para os ilícitos que cometeram.

Normalmente, face à quantidade de crimes associados à Lava-Jato, os procuradores demoram tempo a conceder essa figura a denunciantes. Mas, dado o conteúdo bombástico das gravações, o estatuto de ‘delação premiada’ foi dado em menos de uma semana.

 

Chips nas malas de dinheiro

Este caso teve ainda um desenvolvimento pouco habitual. Os investigadores da Polícia Federal, em conjunto com os procuradores, montaram aquilo a que se chama ‘ação controlada’: todas as entregas de dinheiro passaram a ser filmadas e monitorizadas pela polícia. Foram anotados os números de série das notas dadas pelos empresários aos políticos e colocados chips nas malas de dinheiro.

O esquema com o Presidente Temer previa, alegadamente, a entrega de 500 mil reais semanais (cerca de 135 mil euros) a um assessor de Temer, durante 20 anos, o que implicaria uma verba dada aos políticos de 480 milhões de reais (cerca de 130 milhões de euros).

A partir das pistas das gravações, esta verba aparentemente gigantesca era dada em troca de benefícios para a empresa orçados em um milhão de reais por dia, segundo revelaram os jornalista do jornal O Globo.

Temer confirmou ter-se encontrado com Joesley Batista, dono da empresa, no Palácio do Planalto, embora a revista piauí tenha verificado que não existe marcação na agenda presidencial dessas conversas. No entanto, Temer negou ter aprovado a compra, por milhões, de Eduardo Cunha. Grande obreiro do impeachment de Dilma Rousseff e próximo do presidente no PMDB, Cunha está preso desde outubro passado em Curitiba.

A denúncia muda a situação de Temer na Lava-Jato. Ao pedido de investigação realizado ontem por Janot ao Supremo, não é inconcebível acrescentar-se um pedido de impeachment. Citado nas ‘delações premiadas’ da Odebrecht, o Presidente não foi investigado pelos supostos crimes que lhe são atribuídos porque eles teriam sido cometidos fora do seu mandato, segundo afirma o El País. Agora, conforme noticiado pelo jornal O Globo, a tentativa de obstruir a operação ocorreu já no período em que estava no Palácio do Planalto (sede do governo brasileiro) há dois meses. Ou seja, abriu a possibilidade de que fossem apresentados pedidos de impeachment – o que aconteceu já na noite desta quarta-feira, embora o seu seguimento seja incerto.

O processo tem de ser apoiado por dois terços da Câmara – um resultado difícil de conseguir para uma presidência que, embora nada popular nas sondagens, tem o apoio de quase 80% dos parlamentares. Nenhum antecessor havia chegado ao número de 61 senadores e 411 deputados que apoiavam até esta semana Michel Temer.

 

Reformas laborais morreram

Perante a divulgação destas investigações, já vários políticos da maioria parlamentar afirmam que é inevitável a saída de Temer.

O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a investigação contra o Presidente e decretou o afastamento do cargo de senador de Aécio Neves, acusado de ter pedido 2 milhões de reais (cerca de 540 mil euros) aos empresários. A procuradoria pediu a prisão do senador Aécio, mas o ministro do STF Edson Fachin, relator do Lava-Jato, decidiu não enviar o caso para deliberação do plenário. A irmã de Aécio Neves, Andrea, e o primo do senador, Frederico Pacheco, foram presos por suspeitas de envolvimento. O caso paralisou completamente a ação do governo e a discussão das reformas laborais e da segurança social. Mas os mercados não pararam. O índice brasileiro caiu abruptamente na quinta-feira, dia das primeiras revelações, por cerca de 8,5%, o pior dia nos últimos nove anos. Ontem recuperava ligeiramente, mas ainda menos do que 2%. Seja como for, o consenso é que os cortes sociais e as reformas laborais de Temer morreram.

Como escreve a revista piauí, «a Constituição é clara: em caso de renúncia ou perda de mandato do Presidente e do vice, terão de ser convocadas eleições indiretas em até 90 dias». Nas ruas, milhares de brasileiros pedem eleições diretas, o que obrigaria à aprovação de uma emenda constitucional. Os partidos da maioria poderão tentar manter o poder e resolver as coisas numa eleição por parte dos deputados. Mas tal como no impeachment de Dilma, em que votaram dezenas de deputados indiciados por corrupção, a questão é saber se o Congresso tem legitimidade política e apoio popular para fazer essa convocação, até porque a JBS, que está no centro desta ‘delação premiada’, foi a maior doadora de campanha nas últimas eleições. Deu quase 400 milhões de reais (cerca de 108 milhões de euros) em 2014, o equivalente a 20% do lucro da empresa naquele ano, a políticos de praticamente todos os partidos.

Os empresários negociaram pela sua ‘delação’ que apenas pagariam uma multa de 225 milhões de reais (cerca de 61 milhões de euros). Ficou combinado com a Justiça que não seriam presos nem usariam pulseira eletrónica. «Eles receberam financiamento público de mais de 10 mil milhões de reais [cerca de 2705 milhões de euros] a juros amigos do BNDES, e agora só vão pagar isso? É piada. É uma bofetada na cara da população», disse à piauí um analista financeiro. Para o cientista político Vitor Marchetti, professor da Universidade Federal do ABC, a denúncia de políticos por parte dos principais empresários do país é devido a sentirem que os sucessivos governos não conseguiram acabar com as investigações judiciais da Lava Jato, e resolveram utilizar a figura de ‘delaçao’, para fazer um acordo com a Justiça.