“Império da Barbárie”: não, não temos que nos habituar a viver em terror!

O mundo teve mais uma noite de pesadelo.

1.O mundo teve mais uma noite de pesadelo. Pelo menos, o mundo livre, o mundo que preza a dignidade da pessoa humana, a liberdade e o respeito pelo pluralismo. E – já agora – o mundo feito de pessoas que gostam de viver. Que gostam de se divertir. Que encaram a vida, não como um fardo, mas como uma bênção. E que amam Deus, amando o próximo (ou, numa visão mais redutora ou maniqueísta, não violentando o outro).

2.Outros há que utilizam Deus como justificação irracional – e cobarde! – para atacar outros seres humanos, matando-os sem nó, nem piedade. Matam como matar fosse um acto heróico. Matam como se algum Deus os vá retribuir pela morte e sofrimento que infligem aos outros: pobres coitados! Na sua ilimitada ignorância, não se apercebem que estão a ser instrumentalizados por grupos de interesses obscuros que só os guiam para o inferno. Inferno nos céus; inferno terreno – a Justiça, perante actos tão hediondos, tem que ser imparcial, comedida – mas implacável. As forças de segurança do Estado e o sistema de justiça têm que ser humanos perante tamanha desumanidade; todavia, firmes, resolutos, sem cedências nos nossos valores. Não se confunda humanidade com tibieza. Não se confunda direitos humanos – com impunidade desumana.

3.Incrivelmente, ontem, os comentadores das televisões portugueses insistiam em ressalvar que o ataque era tão-só um ataque terrível, mas ainda era cedo demais para o qualificar como acto terrorista. A sério? Havia alguma dúvida que se tratava de mais um bárbaro acto de terrorismo islâmico radical? Bastava olhar para os contornos do atentado para detectar de imediato a mão dos criminosos do Daesh.

De facto, no ataque ocorrido ontem em Manchester, podemos detectar os sinais distintivos do terror do islamismo radical: 1) é um ataque que revela preparação, até pela forma como o terrorista acede ao recinto, sem que as autoridades o pudessem detectar; 2) na escolha do alvo: um evento de lazer, de entretenimento, um “pecado” de acordo com os psicopatas do Daesh; 3) em Inglaterra, um dos centros de poder europeu e da cultura europeia; 4) uma intérprete americana: a obsessão do Daesh é sobretudo contra os Estados Unidos da América, pelo que os “spots” mais apetecíveis para o terrorismo islâmico radical são os que têm alguma conexão com cidadãos americanos.

4.Perguntará o leitor: mas a escolha do concerto de Ariana Grande foi um acaso ou foi premeditado? A resposta é muito simples e inequívoca: foi premeditado. O Daesh escolheu o concerto da cantora norte-americana para deixar uma mensagem ideológica clara.

 Primeiro, Ariana Grande é uma mulher, cujos videoclipes se pautam por ousadia, alguns trajes menores e sensualidade. Ora, ousadia e sensualidade são incompatíveis com a visão do mundo destes radicais da Idade da pedra (estes sim, verdadeiramente da Idade da Pedra, embora pareça que até na Idade da Pedra havia seres mais tolerantes…). A mulher é um objecto do homem e deve seguir um código rigorosíssimo em termos de indumentária: menos que “burca” é pecado, susceptível de pena de morte.

Em segundo lugar, a digressão de Ariana Grande tinha como título “ Dangerous Woman”  , “Mulher perigosa”. Ora, o Daesh quis claramente aproveitar a ironia com o título da digressão: o terrorismo islâmico radical é o verdadeiro perigo contra as mulheres – e as civilizações que toleram e promovem “Dangerous Womans” devem ser aniquiladas. Ariana Grande está a provocar o Islão – o Daesh responde em conformidade: este é o pensamento (se é que podemos qualificar como tal) das mentes perigosas e assassinas dos terroristas radicais. O Daesh quis mandar uma mensagem ideológica para o “ocidente corrupto”: a liberdade de expressão e de criação tem limites, designadamente os que derivam de ofensas contra os dogmas de “Alá” na sua versão radical, sendo o Daesh o zelador dos costumes e da repressão contra os “pecados dos infiéis”.

Em terceiro lugar, o Daesh quis reforçar o medo e o pânico na Europa e no mundo livre. Como? Note-se que o Daesh está  a perder peso e influência em lugares capitais para a sua estratégia como no iraque e mesmo na Síria.

 Donde, esta organização terrorista bárbara tinha que executar um plano simples, não muito caro, com um enorme impacto. Que lançasse verdadeiramente pânico e fosse significativa no plano simbólico. Pois bem, o Daesh percebeu que não há medo, nem pânico mais forte do que aquele que é sentido pelos pais em relação à saúde e á vida dos seus filhos.

Daí que este ataque fosse dirigido principalmente contra crianças e jovens europeus: não brinquemos com as palavras e deixemo-nos das banalidades do politicamente correcto. O Daesh pensou, quis e executou um ataque contra a juventude europeia – assim, castiga os jovens pecadores, as mulheres  e lança o medo, o desespero e a mágoa sem fim aos pais. Eis, pois, a receita perfeita para lançar o medo e o caos às sociedades europeias.

5.A mensagem é clara: nem mesmo as crianças e os jovens europeus estão a salvo. O alvo é a nossa civilização, sem distinções de qualquer espécie, seja ele o género, a idade ou mesmo a religião. Chegou a altura de os políticos europeus reconhecerem que não podem pedir simplesmente aos cidadãos que aprendam a viver com o terrorismo ou, como fez António Costa, que confessem a sua impotência (“não podemos fazer mais do que o que já fazemos”): se é verdade que há direitos fundamentais que a todos devem ser reconhecidos, não o é menos que o Estado tem obrigação constitucional de proteger os seus cidadãos.

Não há direitos sociais que resistam, caso o Estado não cumpra a sua função cimeira e fundadora que é garantir a ordem e a segurança públicas. Ontem, o Daesh ultrapassou todos os limites da decência: honra lhe seja feita, parece que apenas o Presidente Trump fez da luta contra o terrorismo uma verdadeira prioridade política…

6.Que as vidas das crianças vitimadas ontem possam ser choradas, lamentadas – mas honradas evitando que a máquina de terror do Daesh volta a atacar-nos. Que os políticos não fiquem pelas meras palavras de circunstância. Mostremos que as democracias fortes e descomplexadas podem colapsar o “Império da Barbárie”, vulgo ISIS.

joaolemosesteves@gmail.com