A imortalidade da sigla ‘JFK’ não é passível de grande discussão. Daqui a seis dias, cumpre-se um centenário sobre o dia em que o homem que lhe deu corpo, John Fitzegerald Kennedy, nasceu. Foi a 29 de maio de 1917, ironicamente no mesmo ano da revolução bolchevique contra a qual foi um feroz opositor.
Em 1963, no ano ano sua morte, foi a Berlim Ocidental saudar «o espírito batalhador do povo da Alemanha Federal» e o discurso tornou-se célebre. Kennedy, presidente dos Estados Unidos da América, a dizer em alemão: «Eu sou um berlinense», sob aplausos. «Para ver a diferença entre o mundo livre e o mundo comunista, basta vir a Berlim», disse JFK, afirmando que «a democracia não é perfeita, mas nunca teve que construir um muro».
Mas, antes de chegar aí, de roubar a presidência a um Nixon predestinado, mais experiente e de um partido que governara com Eisenhower; antes de conquistar os corações americanos no primeiro debate presidencial transmitido em direto na televisão; antes de prometer levar a América à lua e de ser o primeiro presidente dos Estados Unidos da América de religião católica e também o primeiro de ascendência irlandesa; antes de Jackie inspirar milhões de mulheres e declarar a presidência do marido como um irrepetível «reino de Camelot»; antes de tudo isso, quem era John Fitzgerald Kennedy?
A verdade é que ‘Jack’, como era conhecido entre amigos e família, quase não foi JFK, como ficou para sempre nos livros de história.
O mais velho dos seus nove irmãos, Joe, era o favorito do pai e encarado como o futuro político da família.
Joe, no entanto, faleceria num incidente de viação na Segunda Guerra Mundial e o fardo das expectativas do clã caiu sobre Jack, que também cumpriu e arriscou a vida em serviço militar.
Uma família de topo
O pai dos Kennedy, Joseph (ou Joe sénior), era amigo íntimo de Franklin D. Roosevelt desde o início da carreira de Roosevelt no Partido Democrata, sendo também ele uma figura proeminente da força política.
Enquanto Roosevelt foi presidente, Joseph Kennedy foi embaixador norte-americano no Reino Unido durante dois anos. JFK tinha vinte de idade.
Da família de nove irmãos, três seguiram carreira política e houve espaço para sol e sombra.
Entre as irmãs, Rosemary Kennedy foi uma das primeiras mulheres a ser sujeita a uma lobotomia nos Estados Unidos. Kathleen Kennedy casou com um marquês de Harrington, mas faleceria na queda de um avião com apenas 28 anos. Pat Kennedy, mais nova, namorou com o infame senador McCarthy e casou com o célebre ator Peter Lawford, amigo de Frank Sinatra, que também conhecia bem Joseph e Jack Kennedy.
O cantor chegou mesmo a apoiar a candidatura de JKF junto da comunidade italo-americana e os Kennedy mantinham boas relações com o mundo do espetáculo.
A família era um símbolo de alta sociedade, a fortuna e a filantropia eram públicas. Os negócios de Joseph em Hollywood e em Wall Street também.
O jovem JFK foi escuteiro e namoradeiro, mas desde cedo afetado por uma saúde frágil que o impediu, por exemplo, de estudar em Londres como o irmão, acabando por matricular-se primeiro em Princeton e depois em Harvard, onde fora o pai a estudar antes.
A transferência também se deveu a fragilidade física, de diagnóstico intermitente: durante a juventude, o segundo mais velho dos Kennedy foi de suspeita de leucemia para consecutivas gastroenterites.
Enquanto o pai liderou a diplomacia de Washington em Inglaterra, ‘Jack’ viajou pela Europa de Leste de carro, conhecendo bem de perto o ‘bloco’ a que mais tarde se viria a opor como chefe de Estado.
Em Harvard, mais independente dos irmãos, ganha gosto pelo estudo e apaixona-se por livros de história e filosofia política. Pensa em dar aulas – chega a fazê-lo em Stanford – e publica a sua tese em livro, sobre a indolência britânica perante o crescimento do império nazi. O livro, “Why England Slept”, tornou-se um bestseller.
Depois de terminar o curso, sente-se impelido a seguir o exemplo do irmão mais velho na carreira militar, mas é reprovado para a academia de oficiais do Exército devido aos mencionados problemas de saúde.
Acaba por ser recrutado para a reserva da Marinha e em 1942 voluntaria-se para as patrulhas de torpedos. Chega a oficial e é destacado para a guerra no Oceano Pacífico, contra os japoneses. Em 1944, sucede-se o desastre do irmão, Joe, sob o Canal da Mancha. Em 1945, Kennedy é condecorado por atos heroicos e dispensado honradamente devido a problemas físicos e dor crónica.
Da guerra à política
O regresso a casa, que para si era um regresso aos livros, era visto pelo pai como o seu começo na política. Antes disso, ainda experimenta brevemente exercer jornalismo e cobre a conferência de Potsdam, que juntou Churchill, Estaline e Harry Truman para discutir a paz. Na década de 50, Kennedy chega a vencer um Pulitzer por uma obra sobre senadores americanos de destaque.
Um ano depois, vence um lugar para o congresso pelo Estado de Massachusetts, financiado e coordenado pelo pai, sendo um dos múltiplos veteranos a tentar a política depois da Segunda Guerra.
Em 1952, é eleito para o senado pelo mesmo Estado e fica noivo de Jacqueline ‘Jackie’ Bouvier. O casamento gerou dois filhos e foi algo atribulado, embora tenha causado furor nacional na imprensa e nos lares norte-americanos.
Os problemas de saúde, no entanto, não melhoraram: a dependência de analgésicos e de injeções de corticoides vai aumentando. É-lhe diagnosticado hipertireoidismo. Mais tarde, seria montado um ginásio na Ala Ocidental da Casa Branca para Kennedy poder exercitar as costas, que sempre o atormentaram.
É nesta altura que conhece Lyndon B. Johnson, líder da maioria democrata que seria seu vice-presidente, e que começa a apreciar charutos cubanos.
Depois de vencer a reeleição para o senado, começa a pensar nas presidenciais de 1960, nas quais seria eleito o mais jovem inquilino de sempre na Casa Branca , aos 43 anos [Roosevelt chegou à Sala Oval aos 42, mas herdou o cargo]. Truman, do seu próprio partido, temia a inexperiência.
O seu catolicismo, por outro lado, tentou ser usado por Nixon, vice-presidente incumbente, mas Kennedy arrumou a questão ao dizer: «Eu não falo pela Igreja e a Igreja não fala por mim».
Um dos seus irmãos mais novos, Bobby, teria um papel fulgurante na campanha e o pai pedir-lhe-ia para estar no Governo com ‘Jack’.
Bobby, pai de onze filhos e o mais católico dos nove irmãos, tinha uma timidez e frieza que o irmão não invejava. Foi nomeado Attorney General, o equivalente a ministro da Justiça em Portugal. Seria assassinado, como o irmão.
Quando o Presidente faz 45 anos, enche-se o Madison Square Garden para celebrar o aniversário e Marilyn Monroe escreve-lhe uma canção intitulada “Parabéns, senhor Presidente”. O vestido da diva era de tal modo apertado que, para o vestir, teve que ser cosido na hora. Jackie, a primeira-dama, recusou comparecer.
Alegadamente, o presidente terá mantido casos extraconjugais com atrizes como Monroe e Marlene Dietricht, assim como com a assistente pessoal de Jackie. E lá se foi o catolicismo outra vez…
O castigo divino?
Haverá mesmo uma maldição Kennedy? Talvez a família política mais distinta da história dos EUA sofra mesmo de infortúnio crónico.
Joe Kennedy viveu pouco tempo saudável enquanto o filho foi presidente. Um ano após a vitória, em 1961, sofre um enfarte e fica paralisado e preso a uma cadeira de rodas até ao fim dos seus dias. As dificuldades na fala vão-se agravando; a mente foi perspicaz até ao fim.
Os seus filhos mais próximos, Jack e Bobby, são vítimas de assassinato político depois daquele que fora criado para a política, Joe júnior, morrer como piloto da Marinha. Kathleen, sua irmã, faleceu na queda de um avião em França depois de perder o marido, também na Segunda Guerra Mundial. Rosemary Kennedy, outra irmã, foi diagnosticada com défice cognitivo e lobotimizada a ordem do pai, ficando a cargo de uma instituição até à sua morte.
JFK e Jackie Kennedy perderam um filho recém-nascido e um bebé por aborto espontâneo, sendo que John júnior também morre num desastre de avião, mas em 1999, nos Estados Unidos.