Não fossem o abalo, os gritos de pânico, a debandada caótica de centenas de pessoas e o cheiro a enxofre e algumas pessoas teriam pensado que o barulho que se ouviu na Arena de Manchester cinco minutos depois de a cantora norte-americana Ariana Grande ter abandonado o palco se devia aos balões que caíram sobre a audiência no fim do concerto. Muitos ainda se convenceram disso. Mas o barulho foi na realidade um estrondo e o maior ataque terrorista em solo britânico em mais do que uma década. Vinte e duas pessoas morreram.
Entre as vítimas está uma rapariga de apenas oito anos e uma jovem de 18. Cinquenta e nove pessoas ficaram feridas com os estilhaços que Salman Abedi colocou no seu cinto de explosivos improvisado. É uma tática conhecida entre bombistas: com parafusos, pregos ou peças de canalização, os explosivo tornam-se mais mortíferos e têm maior alcance. Alguns dos feridos ficarão deformados para o resto da vida e estavam esta terça-feira em cirurgia para retirar peças de metal da cara, pernas ou torso, por exemplo. Ariana Grande atua sobretudo para os mais jovens e por isso 12 dos feridos têm menos de 16 anos. Alguns estão em risco de vida.
As autoridades identificaram Salman Abedi esta terça-feira de manhã mas só o anunciaram a meio da tarde, em parte porque os médicos legistas ainda não o confirmaram com toda a certeza e, por outro lado, porque os serviços de informação britânicos acreditavam que identificá-lo prejudicaria as investigações. Mas a Associated Press já avançara o seu nome, assim como alguns órgãos do Reino Unido. Ian Hopkins, o chefe da polícia de Manchester, anunciou também que duas pessoas foram detidas e que a explosão controlada que se ouviu durante a tarde no bairro de Fallowfield foi apenas uma forma de a polícia entrar com segurança na casa de um homem não identificado. A vizinhança contava esta terça ao “Guardian” que o sujeito estava apenas há seis meses nessa casa, estava na casa dos 20 e se vestia com os traje islâmico tradicional. Abedi tinha 22 anos e pode ser esse indivíduo.
Estado Islâmico
Os serviços de informação britânicos tentavam descobrir esta terça-feira se Abedi agiu sozinho, à semelhança do homem que atacou Westminster em março, por exemplo, ou se, por outro lado, atuou através de uma rede, como aconteceu nos ataques em Paris e Bruxelas. O autoproclamado Estado Islâmico reclamou o ataque no final da manhã desta terça, o que nem sempre é prova de que o grupo tem verdadeiramente autoria sobre um ataque, mas reforça a ideia de que o atentado pode ter sido coordenado à distância. Primeiro, como sublinham vários analistas, porque um colete de explosivos é difícil de fabricar, e, em segundo lugar, porque a explosão na Arena de Manchester reúne os símbolos detestados pelo grupo fundamentalista, como sugere o próprio comunicado do grupo: “Os engenhos explosivos detonaram-se na desenvergonhada arena de concertos”, segundo citava o grupo SITE, que monitoriza movimentos radicais.
O passado do suposto atacante vai-se descortinando-se ao longo do dia. Abedi, escrevia-se em vários órgãos americanos e britânicos, nasceu no Reino Unido de dois refugiados líbios que se instalaram no país ainda durante a ditadura de Muammar Khadafi. Abedi era o segundo mais novo de quatro filhos e esta terça-feira sugeria-se que um deles pudesse estar entre os dois detidos. A família vivia em Fallowfield, a casa onde a polícia entrou com explosivos, mas o “Telegraph” avançava que os pais e dois filhos regressaram recentemente à Líbia. De acordo com o “New York Times” os investigadores chegaram rapidamente á sua identidade por terem encontrado um documento no seu cadáver.
Alívio e terror
A nova normalidade, em que o risco de um atentado é constante e inevitável, surgiu na noite de segunda-feira sob uma evidência macabra aos olhos de milhares de crianças e adolescentes – psicólogos sugerem que o melhor é dizer aos mais novos que a violência indiscriminada é uma realidade, sim, mas que é também muito rara. “Olhei para o meu lado direito e a única coisa que vi foi um corpo simplesmente decomposto”, contou a adolescente Natalie Sully, em declarações à cadeia ABC, descrevendo os momentos que se seguiram à explosão. “A única coisa que se conseguia ver era carne”, disse. Terry Moran, pai de uma adolescente que foi ao concerto, contou a experiência contrária, a de quem esperava do lado de fora, sem saber da sua filha. “Não entrei em pânico porque sabia que isso só ia complicar as coisas”, contou, dizendo que começava a “dar em louco” quando viu Kaitlyn. “No momento em que a vi, foi como se ela tivesse nascido de novo.”