As manifestações estenderam-se a cinco cidades portuguesas, entre as quais o Porto, Braga, Coimbra e Faro, juntando mulheres, homens e crianças. As Imagens da Queima das Fitas reacenderam o debate mas também preocupação de quem lida com mulheres vítimas de abusos e de preconceito.
A “cultura da violação” que denunciaram ontem por todo país, inclui não só o crime sexual consumado mas, também, toda “a sexualização e objetificação da mulher, assim como o assédio e a normalidade como tudo isto é visto pela nossa sociedade” explicou Joana Grilo ao i. A ativista considera que é urgente uma mudança na postura da sociedade portuguesa e na forma como se educam os mais novos “falta questionar as bases com que somos educados. Desde pequeninas que nos convencem que se nos batem é porque gostam de nós, obrigam-nos a dar beijinhos a toda as pessoas que conhecemos, a intimidade e o corpo da mulher não passam por nós, mas pelos nossos pais e outros que nos rodeiam, desde muito cedo nos incutem esta noção de que o corpo não é nosso e temos que nos vestir de uma determinada forma e de estar de certa maneira para estarmos seguras. Essa normalidade tem de ser questionada”.
Figuras públicas como a atriz Benedita Pereira e o músico Hélio Morais estiveram presentes entre as centenas de pessoas reunidas em Lisboa. “O que me trouxe aqui foi o ter convivido com o facto de ser mulher, todos estes anos, e com isso o ter de levar com assédio todos os dias, com o facto de ser considerado normal crescer com isto” explica a atriz Benedita Pereira. “Os nossos “não” nunca são respeitados, ou levados a sério. Em conversa com amigas minhas percebemos que lidamos com isto desde miúdas, desde pré-adolescentes lidamos com assédio, buzinas na rua, piropos e situações em que levaram a mal termos dito que não. Eu sei que as coisas não mudam de um lado para o outro, mas as gerações vindouras podem beneficiar disto” conclui.
O músico Hélio Morais, acha que os homens ainda temem a palavra feminismo uma vez que ao longo do tempo o termo conquistou uma conotação negativa, “as pessoas acham que feminismo é uma antítese da palavra machismo, só que não tem nada a ver, feminismo é sobre igualdade de direitos e oportunidades entre géneros, mas algumas pessoas ainda não se aperceberam do significado disto e perde-se tempo a discutir a origem da palavra, quando as palavras vão perdendo significado, a dada altura”
João Nuno Martins, produtor de espetáculos, esteve também presente na manifestação “vim mostrar o meu apoio a esta luta, é estranho que em Portugal tenha chegado tão tarde, quando isto é tão antigo e presente na nossa sociedade”. Para o empresário a cultura machista está de tal forma entranhada na sociedade portuguesa, ao ponto de ser possível analisa-la dentro das casas dos portugueses. Como acontece quando “uma mulher tenta dar uma opinião sobre um assunto e é interrompida, ou tenta explicar que algo a incomoda e a oprime, e por norma o homem contesta sempre esse discurso”.
Os cânticos "A nossa luta é todo o dia, somos mulheres e não mercadoria” e "Mexeu com uma, mexeu com todas” ecoaram durante o final da tarde de ontem atraindo a atenção de vários estrangeiros, como o jovem irlandês Angus “não fazia ideia que em Portugal também se vivia este problema. Ouvimos falar de casos longínquos como os da Índia, mas depois todos os países da própria Europa vivem esta realidade”.
O lema “mexeu com uma mexeu com todas” foi recuperado do movimento que surgiu no Brasil após Susllen Tonani ter acusado José Mayer de assédio sexual, tendo este acabado por se admitir culpado.