Brasil insiste, Temer resiste

Numa semana marcada por confrontos em Brasília e pelo destacamento do exército para patrulhar as ruas da capital, o presidente investigado por corrupção resiste como pode aos pedidos de demissão. Mas os cenários para o pós-Temer já são debatidos entre os principais partidos e as figuras de proa da política brasileira. 

«Meus amigos, o Brasil não parou e não vai parar». Ponto final, parágrafo. Foram estas as palavras escolhidas e partilhadas nas redes sociais, por Michel Temer, depois de 24 horas frenéticas, que testemunharam insultos e tentativas de agressões entre deputados no Congresso, confrontos violentos entre a polícia e milhares de manifestantes em Brasília, invasões a ministérios, o destacamento do exército para impor a ordem, desentendimentos dentro dos partidos da coligação política que suporta o Governo, e o recuo do Presidente na decisão de manter 1500 soldados a patrulhar as ruas da capital durante uma semana.

Àquela declaração inicial seguiu-se a apresentação dos avanços logrados na Câmara dos Deputados e no Senado, relativos às medidas provisórias e às reformas laborais, que veio assim confirmar que, na senda do desafio lançado a meio da semana, numa entrevista à Folha de São Paulo – «se quiserem [que saia da presidência] derrubem-me» – Temer responde ao furacão que ameaça arrastá-lo para fora da presidência com a aparência de normalidade.

Mas no Brasil são já poucos os que acreditam que tem condições para se manter durante muito mais tempo no poder. À frente de um Brasil afogado numa preocupante crise económica e dono de uma taxa de popularidade baixíssima, agravada pela abertura da investigação do Supremo Tribunal Federal , pela alegada prática de crimes de corrupção passiva, obstrução à justiça e organização criminosa – na sequência da delação premiada do empresário Joesley Batista e de gravações que sugerem que terá tentado comprar o silêncio de Eduardo Cunha no âmbito da Operação Lava Jato –, o Presidente do Brasil conta com 17 (!) pedidos confirmados de impeachment, pelo que corre sérios riscos de seguir as pisadas da sua antecessora, Dilma Rousseff, destituída do cargo, no final de agosto do ano passado, nesses mesmos moldes.

Vários cenários

Uma vez que Michel Temer não abdica do seu lugar no Palácio do Planalto e tendo em conta que a eventual abertura de um processo de impeachment resultará num longo e demorado processo – o de Dilma durou cerca de 9 meses –, com desfecho imprevisível, pode parecer prematuro para os principais partidos brasileiros preparar o Brasil pós-Temer. Mas essas jogadas de bastidores estão em marcha, envolvem diálogos entre três ex-presidentes, e trouxeram à baila nomes com os de Nelson Jobim, Tasso Jereissati, Lula da Silva, Henrique Meirelles ou Rodrigo Maia, como sérios candidatos aos cargos de Presidente e Vice-Presidente.

A justificação é simples. Existe em cima da mesa uma hipótese bem real de Temer ser afastado já no próximo dia 6 de junho, consoante a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em causa está uma investigação à campanha presidencial de 2014, que coroou Dilma como Presidente e Temer como Vice. A dupla é acusada de ter recorrido a financiamento ilegal, pelo que uma decisão do TSE nesse sentido implicaria a invalidação da candidatura e a ‘cassação’ do mandato do atual chefe de Estado.

É com os olhos nesse cenário que as forças partidárias se movem na sombra, em busca de soluções para o futuro, havendo quem especule que a insistência do Presidente em se manter agarrado ao cargo, com unhas e dentes, também bebe dessa fonte. Segundo o Estado de São Paulo e o El País o próprio Temer tem noção de que terá os dias contados e, nesse sentido, vê com melhores perspetivas um afastamento por uma irregularidade de cariz eleitoral, que também envolve a esquerda e o Partido dos Trabalhadores (PT), ao invés da destituição por impeachment, justificada pelas investigações às alegadas práticas de corrupção. Referem aqueles jornais que dentro do seu Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e dos que compõem a coligação que apoia o Executivo, a primeira via é vista como uma «saída honrosa» para o Presidente.

Além de incluírem a apresentação de nomes para a sucessão de Temer, as discussões internas e interpartidárias – lideradas pelos antigos presidentes Lula da Silva, José Sarney e Fernando Henrique Cardoso, de acordo com a Folha – estão focadas na forma como a escolha do próximo Governo deve acontecer. O PT, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e a esquerda em geral defendem a aprovação de uma emenda constitucional para a realização de eleições diretas – que beneficiariam o regresso de Lula ao poder, tendo em conta as intenções de voto dos brasileiros –, ao passo que os partidos da coligação, como o PMDB ou o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), mantêm-se favoráveis às eleições indiretas, tal como previsto na Constituição, em caso de renúncia ou perda de mandato do Presidente. Segundo este modelo, serão os 513 deputados e os 81 senadores do Congresso a escolher, num prazo de 30 dias, o sucessor de Temer, caso este venha a cair, antes das eleições presidenciais de 2018.

‘Guerra’ em Brasília

No meio deste emaranhado de cenários e de ‘ses’, o Governo de Temer vai resistindo, mesmo tendo vivido, esta semana, um dos episódios mais negros do seu consulado.

Convocados pelos movimentos sociais e sindicatos brasileiros para protestarem contra a insistência do Presidente em não renunciar ao cargo e contra as reformas da Previdência social, milhares de manifestantes – as autoridades falam em 35 mil, mas a organização aponta para mais de 100 mil participantes – viram-se num verdadeiro palco de guerra, em Brasília, na tarde de quarta-feira.

Na Esplanada dos Ministérios os protestos transformaram-se em confrontos violentos, que levaram a uma situação de caos total. Impedidos pela polícia de acederem ao Congresso, os manifestantes atearam fogo a casas de banho públicas e a paragens de autocarro, atiraram garrafas e pedras contra os agentes, e conseguiram invadir as zonas de acesso aos edifícios de seis Ministérios, obrigando à sua evacuação. No Ministério da Cultura foram roubados e danificados computadores e documentos oficiais e no da Agricultura deflagrou um incêndio de grandes proporções. A estes atos de vandalismo a polícia respondeu com gás lacrimogéneo, gás de pimenta e tiros de bala de borracha. Segundo o jornal O Globo, foram também disparadas armas de fogo.

Temendo que o descontrolo fosse ainda maior e que outras cidades brasileiras tomassem o mesmo rumo que Brasília, Temer e o Governo adotaram medidas drásticas, aprovando um decreto inédito de autorização ao destacamento das Forças Armadas, com o intuito de conter a violência na capital. Os desentendimentos entre o Ministro da Defesa e o Presidente da Câmara dos Deputados sobre a origem do pedido de ajuda ao exército, e as críticas, dentro e fora do Executivo, à solução encontrada para manter a ordem, puseram a nu as fragilidades da liderança de Temer que, menos de 24 horas depois de ordenar a presença de 1500 soldados nas ruas de Brasília, recuou e anulou o decreto.

Para a história ficam quatro longas horas de violência, 49 feridos, oito detenções, incontáveis estragos materiais e, enquanto tem fôlego, um Presidente que se agarra como pode à cadeira do poder.