Têm alguns dos casos mais complexos do mundo, enfrentam pressões mediáticas, políticas e económicas, lidam com alguns dos homens mais poderosos de cada um dos seus países e, acima de tudo, trabalham para que se faça justiça. São conhecidos como ‘super juízes’ e trabalham com ‘super casos’. Juntamente com Antonio Di Pietro, o procurador italiano que deu origem ao termo ‘justiceiro’ no sistema judicial com o seu trabalho na Operação Mãos Limpas – investigação relacionada com casos de corrupção -, três destes ‘super juízes’ estarão durante a próxima semana nas Conferências do Estoril a falar sobre o papel da Justiça e da investigação criminal.
O termo ‘super juíz’ nada tem que ver com questões judiciais, tratando-se apenas de um termo criado pelos meios de comunicação para se referirem a magistrados que lidam com alguns dos casos mais mediáticos. «Alguns [juízes] são dados a mais protagonismo, outros a menos. Normalmente, o desempenho profissional está associado à fama do caso, há automaticamente uma projeção do magistrado a quem o processo foi atribuído. Depois depende muito da pessoas – se quer projetar ou não a sua imagem ou resguardar-se mais», disse ao SOL um antigo magistrado do Ministério Público.
No caso de Portugal, o mais conhecido é Carlos Alexandre, juiz responsável por processos como a Operação Marquês, que envolve o antigo primeiro-ministro José Sócrates. Mas este não é o único ‘super juíz’ português: desde 2015, o Tribunal Central de Investigação Criminal, conhecido como ‘Ticão’, tem um segundo juiz titular. O madeirense Ivo Rosa estava colocado nas Varas Criminais de Lisboa, mas já anteriormente tinha estado como magistrado no tribunal onde trabalha agora. No entanto, Carlos Alexandre sempre teve mais notoriedade, devido aos casos que recebeu e à sua antiguidade: está no ‘Ticão’ desde 2004, tendo recusado ser promovido mais do que uma vez.
O termo ‘super juiz’ também é usado noutros países, como em Espanha e no Brasil, mas não costuma ser um nome usado noutros territórios, como no norte da Europa. A verdade é que o poder dos meios de comunicação ditam a forma como os magistrados são vistos pelo público em geral. «Nos países nórdicos, protegem-se muito. Têm casos tão ou mais graves do que os nossos e defendem-se mais. Nesses países, para manterem uma imagem de grande eficácia e seriedade, não projetam estes casos para fora. Os jornais de alguns países [nomeadamente, o norte da Europa] são mais nacionalistas e nunca projetam uma imagem degradada do país, têm uma visão muito protecionista das suas sociedades. Trata-se também de uma questão cultural», explica a mesma fonte, que defende que, em muitos casos, Portugal não se defende na forma como se projeta para o exterior. «Às vezes damos uma imagem muito negativa, que até pode ser verdadeira, mas que não é pior do que as outras realidades», acrescentou.
Nas Conferências do Estoril – que se realizam entre os dias 29 de maio e 1 de junho e que este ano irão focar-se em questões relacionadas com a migração e a globalização – estarão presentes três ‘super juízes’: Carlos Alexandre, Baltasar Garzón (espanhol) e Sérgio Moro (brasileiro). Juntamente com o antigo procurador italiano Antonio Di Pietro, irão discutir o papel e os limites do sistema criminal e judiciário.
Carlos Alexandre
Monte Branco, Operação Furacão, Portucale, Face Oculta, BPN, Remédio Santo, Operação Labirinto, Vistos Gold e Operação Marquês. Tudo casos com um grande impacto público que passaram (e passam) pelas mãos deste juiz português de 56 anos, nascido em Mação, no distrito de Santarém.
Numa entrevista à estação televisiva SIC, Carlos Alexandre disse não ter medo, mas acredita que o seu telefone esteja sob escuta. Admitiu que não tem amigos ‘nos locais certos’ e que tem de trabalhar para ganhar dinheiro: «Não tendo eu fortuna pessoal, algumas das coisas que adquiri e alguns encargos e compromissos em que me meti só são sustentáveis se eu trabalhar mais. Como eu não tenho amigos, amigos no sentido de pródigos, não tenho fortuna herdada de meus pais ou de meus sogros, eu preciso de dinheiro para pagar os meus encargos. E não tenho forma de o alcançar que não seja através do trabalho honrado e sério».
E muito trabalho tem pela frente: a Operação Marquês, caso que envolve o antigo líder socialista José Sócrates e o ex-banqueiro Ricardo Salgado ainda está sob investigação, estando a acusação agendada para o início de julho.
Sérgio Moro
Tem apenas 44 anos mas é já considerado um ‘super juíz’ em terras de Vera Cruz. Moro ganhou notoriedade nacional e internacional em março de 2014, quando ficou responsável pelo julgamento em primeira instância de crimes relacionados com a Operação Lava Jato, aquele que é considerado pelo Ministério Público Federal como o maior caso de corrupção e lavagem de dinheiro no Brasil. O caso envolve vários políticos, como Lula da Silva, e várias empresas, como a Petrobras e a Odebrecht. Numa entrevista dada recentemente ao programa norte-americano 60 Minutos, Moro afirmou que «ninguém vai ser julgado por causa de sua opinião política», respondendo às críticas de que tem sido alvo.
Ao todo, Sérgio Moro ordenou a detenção de 175 empresários, políticos e lobistas. Até 19 de dezembro de 2016, foram realizadas 120 condenações, com uma pena total de 1.257 anos, dois meses e um dia de pena, revela o Ministério Público Federal.
Chegou a ser considerado o ‘Brasileiro do Ano’ pela revista Isto É e um dos cem mais influentes pela publicação Época, tendo recebido várias condecorações ao longo dos últimos anos. Na reportagem do programa 60 Minutos, foi comparado com Elliot Ness, líder dos ‘Intocáveis’, a equipa que ficou conhecida por deter o líder da máfia italiana Al Capone.
Baltasar Garzón
Ao contrário dos sistemas anteriores, em que a investigação fica a cargo do Ministério Público, em Espanha o juiz é responsável também por esta parte do processo. E este ‘super juiz’ espanhol teve um papel ativo não só no seu país – atuou em processo ligados ao narcotráfico, lavagem de dinheiro, falsificação de moeda e terrorismo -, mas também em casos internacionais que chamaram a atenção do resto do mundo.
O nome de Baltasar Garzón, juiz de 61 anos, nascido em Torres (sul de Espanha), começa por ser associado ao Chile, depois de ter emitido uma ordem de prisão para o ex-Presidente daquele país, Augusto Pinochet, pela tortura e morte de cidadãos espanhóis. Depois, o seu nome surge relacionado com os Estados Unidos, ao reiterar a sua vontade de investigar o ex-secretário de Estado Henry Kissinger, no âmbito da Operação Condor (aliança político-militar entre os vários regimes militares da América do Sul com a CIA, com o objetivo de eliminar líderes de esquerda e oprimir ditaduras). Esteve também envolvido num processo em que acusa militares argentinos pelo desaparecimento de vários cidadãos espanhóis durante a ditadura naquele país (1976-1983).
Já em 2001, ficou conhecido por pedir autorização ao Conselho da Europa para processar o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, que era membro da assembleia daquele organismo. O seu caso mais recente é a defesa de Julian Assange, o ciberativista australiano que divulgou informações sigilosas relacionadas com as guerras no Afeganistão e no Iraque, através da plataforma Wikileaks.