Curiosamente, o primeiro-ministro – geralmente lesto a aproveitar as boas notícias – foi desta vez relativamente cauteloso.
Controlou o entusiasmo.
Porquê?
Porque sabe que as expectativas elevadas jogam a partir de agora contra ele.
Uma das razões para o sucesso da ‘geringonça’ foi o facto de as expectativas serem, no início, muito baixas.
Por via disso, alguns resultados fracos foram saudados como grandes feitos.
O crescimento de 1,4% em 2016, inferior ao do ano anterior, foi recebido com foguetes.
Inversamente, se se instalar a ideia de que tudo corre agora pelo melhor, os bons resultados começarão a saber a pouco.
Sem falar dos 3,2% ‘prometidos’ por Marcelo, qualquer crescimento da economia abaixo de 2,5% no fim do ano será considerado um mau resultado.
Ora, é muito difícil isso acontecer.
2,8% no primeiro trimestre foi o crescimento em relação ao mesmo período de 2016 – que registou um número bastante fraco: 0,9%.
E como é óbvio, é mais fácil crescer relativamente a um valor baixo.
Também contribuiu para este resultado um número irrisório de greves – mas isso é mérito da ‘geringonça’, que tem garantido a paz social.
Neste segundo trimestre os números ainda serão bons, mas no terceiro e no quarto trimestres – que em 2016 já tiveram crescimentos razoáveis (1,6% e 2,0%, respetivamente) – será mais difícil crescer.
Adiante-se que os bons números, se até aqui eram um trunfo para António Costa, a partir de agora passarão a ser uma dor de cabeça.
Os resultados excelentes no que respeita ao défice e ao crescimento, a par dos elogios da Europa, são hoje sinónimo de chatices no seio da ‘geringonça’.
Se os resultados são tão bons, então o Governo não tem desculpa para não desapertar o cinto e aliviar a vida dos portugueses – dizem o BE e o PCP.
Costa precisa, pois, de deitar água na fervura para as coisas não descambarem.
Ele sabe que, para lá das reivindicações conhecidas, o BE e o PCP nunca o deixarão flexibilizar mais as leis laborais nem diminuir os impostos sobre as empresas; ora, sem algumas reformas, a nossa capacidade de crescimento esgotar-se-á.
Na economia, como na agricultura, é preciso semear para colher.
Este Governo está a colher os frutos do trabalho feito no tempo da troika.
Mas, se começarmos a relaxar, andaremos outra vez para trás.
Marcelo Rebelo de Sousa, que parece agora mais sensato (salvo uma ou outra loucura momentânea) já vai avisando que não podemos embandeirar em arco.
Todos os cuidados serão poucos.
Até porque já há alguns sinais de preocupação, como o endividamento das famílias, que voltou a aumentar, tal como as declarações de falência.
Numa enxurrada de notícias boas, as más passam despercebidas.
Mas o problema não desaparece.
P.S. – Em reação à saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo, houve três reações relevantes: do Presidente da República, do primeiro-ministro e do líder da oposição.
As três foram ajustadas. Todos saudaram o ‘povo português’, o que é politicamente correto, mas só isso.
António Costa sublinhou o facto de haver ‘outro caminho’ para baixar o défice e fazer crescer a economia, e piscou o olho à esquerda, dizendo que o crescimento tem de se traduzir em melhoria das condições dos trabalhadores, igualdade, etc. Não fez referência ao Governo anterior. Não lhe ficaria mal fazê-lo, mas depois de todo o mal que os socialistas disseram nos tempos da troika não era fácil um elogio a essa política…
Passos Coelho fez a intervenção mais substancial, lembrando que em quinze anos Portugal saiu três vezes do PDE e voltou a entrar, pelo que nada está garantido. É preciso perseverar e continuar o trabalho feito. Deu os parabéns a este Governo (que baixou o défice de 3 para 2%, embora Passos tenha dito não concordar com muitas medidas) e lembrou o trabalho do seu (que baixou de 11 para 3%).
Marcelo fez aquilo que deveria ter feito desde o início do mandato: em vez de dar apenas palmadinhas nas costas de António Costa, referiu também explicitamente o contributo do Governo de Passos Coelho para este resultado. E adiantou um aviso: nada está garantido. Amanhã é dia de voltar ao trabalho. O BE e o PCP não devem ter gostado. Eles querem facilidades e não dificuldades.