Fui a uma entrevista de emprego

Foi ontem de manhã em Lisboa. Como fui eu quem foi contatado pelo possível empregador, através da rede social Linkedin, ia completamente às escuras para que era o posto de trabalho

A única coisa que eu sabia era o Curriculum académico do empregador: licenciatura do Técnico, MBA da Nova. Portanto, do melhor que há em Portugal.

Lá cheguei ao ponto de encontro para a entrevista. Era uma agência imobiliária. Entrei, e sem demoras fui recebido pelo proprietário e por uma senhora que suponho ser uma empregada. A conversa correu afavelmente durante cerca de meia hora, até que eu lancei a pergunta sacramental: quanto é que pagavam? Resposta: zero de ordenado base, as remunerações eram apenas comissões sobre as vendas. Zero. Nada. Nickles.

Segundo o que os meus interlocutores me contaram, essa situação é praticamente generalizada no setor da mediação imobiliária. Quem não vende, não recebe, apesar de ter de suportar despesas diretamente relacionadas com o trabalho, como sejam os transportes e a alimentação.

Na verdade, a resposta dos meus interlocutores não me surpreendeu, pois eu já trabalhei na mediação imobiliário. Recebia um pequeno subsídio para suportar as despesas. Agora, não pagar seja o que for, nem para ajudas de custo, é aumentar as margens de lucro de um setor onde a fraude fiscal é generalizada, através da emissão de faturas de valor mais baixo do que o real montante do negócio. Mais, se um empregado imobiliário se decide a ir embora, não recebe qualquer comissão sobre a venda dos imóveis que trouxe para a agência como clientes. Mais lucros sem contrapartidas para os patrões.

E, sobretudo, propor a uma pessoa que trabalhe apenas como comissionista, não lhe pagando para o empregado suprir a sua subsistência, é indigno. E esta situação dura há mais de uma década. A atividade de mediação imobiliária foi regulada por um decreto lei do governo de Santana Lopes, que tentou colocar alguma ordem no setor, mas sem sucesso. Curiosamente, dos partidos de extrema esquerda, sempre dispostos a magoar o comum dos cidadãos em defesa de grupos de pressão, nem uma palavra. Defender os desempregados não passa de um slogan vazio de sentido.

O Portugal de 2017, com a atividade económica a crescer bem, ainda tem uma taxa de desemprego de 10%. Custou-me a entrevista de emprego de ontem ter dado em nada. Mas, como desempregado, tenho muito tempo livre para ouvir música. E para a minha história de ontem lembro-me do verso “They only hit until you cry / after that you don´t ask why” , isto é, “Elas só doem até chorares / depois já não perguntas porquê” – Suzanne Vega, “Luka”, 1987