Mário Centeno: o novo (e eficiente) “lacaio” de Angela Merkel

Se Mário Centeno é o “Cristiano Ronaldo” do Eurogrupo, Wolfgang Schauble é, certamente, o Michael Jordan da política europeia

1.Se Mário Centeno é o “Cristiano Ronaldo” do Eurogrupo, Wolfgang Schauble é, certamente, o Michael Jordan da política europeia. O  basquetebolista norte-americano, que brilhou na NBA levando os Chicago Bulls ao topo, era conhecido por fazer magia. Ninguém o parava! As suas mãos estavam geneticamente programadas para não falhar um cesto – que emoção era ver, nas saudosas transmissões da RTP comandadas por Carlos Barroca, o talento sobre-humano de Jordan,  à hora de almoço de domingo!

Mas se Jordan hoje é apenas um mito, Wolfgang Schauble é uma realidade omnipresente. É a verdadeira personificação do poder: onde Angela Merkel hesita, Schauble corta. Onde Angela Merkel fraqueja, Schauble não desarma.

 Onde Angela Merkel parece tolerante, Schauble é intolerantemente intransigente. Dizem-nos que Angela Merkel é uma espécie de António Guterres de saias: decisófoba. Quem decide verdadeiramente é Schauble: o verdadeiro “Senhor Europa”. Hoje, a União Europeia é Schauble – e Schauble é a União Europeia.

2.Desenganem-se, pois, aqueles que julgavam que Schauble é apenas um tecnocrata, um “homem dos números”, demasiado centrado nas contas do seu orçamento (e dos orçamentos dos restantes países da EU) – na verdade, o Ministro das Finanças alemão é um génio político. Tem dúvidas? Então, pense na última jogada de Schauble: os elogios dirigidos a Mário Centeno e a sugestão do seu nome para Presidente do Eurogrupo (comparando mesmo o Ministro português a Cristiano Ronaldo).

3.Na verdade, tal comparação não deixa de ser um remoque subtil a Mário Centeno e à geringonça: Centeno é tão bom a fintar os números e a iludir a realidade como Cristiano Ronaldo é a fintar os seus adversários e a iludir os seus oponentes. Ora, sabendo nós do desdém germânico à habilidade artística na gestão orçamental dos países (pelo menos dos outros Estados que não a Alemanha…), o epíteto de CR7 atribuído a Centeno é uma piada digna do humor gélido e negro germânico…

4.Posto isto, passemos à análise substancial da escolha (mais que provável) de Mário Centeno para Presidente do Eurogrupo. Ao invés da opinião, por exemplo, de Luís Marques Mendes, julgamos que esta história não foi inventada por Centeno: quanto muito, o Ministro português aproveitou para dela retirar dividendos políticos e colocar-se como hipótese real para o cargo. Colaboradores próximos de Centeno garantem, em surdina, que Mário Centeno, não obstante a sua figura entre o cómico e o professoral, é uma pessoa extremamente ambiciosa.

Ama o poder, dá tudo pelo poder: foi assim como técnico superior do Banco de Portugal; é assim como Ministro das Finanças; e já garantiu que as suas ambições políticas não se quedam por aqui. Centeno quer exercer um  cargo de relevo na estrutura da União Europeia –  e este é o momento certo. Aliás, membros do gabinete de Mário Centeno (já fascinados para o acompanharem na sua nova aventura) confidenciaram ao Ministro que esta pode ser uma oportunidade única e irrepetível…

5.Na óptica da Alemanha, a escola de Centeno é uma jogada política genial. Porquê? Fácil.

Primeiro, porque a política de austeridade orçamental poderia ser prosseguida com um custo político diminuído. No fundo, replicar ao nível da União Europeia o que Mário Centeno fez em Portugal: controlar a despesa pública, congelar os orçamentos de serviços públicos essenciais, aumentar os salários mas aumentar impostos, contribuições e taxas “cegas”, aumentar as cativações (dinheiro que os serviços públicos não podem utilizar), alcançando, com isto, resultados orçamentais positivos.

Mário Centeno é, pois, uma espécie de Mister austeridade sorridente. As premissas fundamentais da tão criticada austeridade mantêm-se – todavia, é executada por alguém sorridente e com um discurso suave. Em vez de “défice”, Centeno fala em “déficiti”. Em vez de “desvio colossal”, Mário Centeno fala em “ alternativa de política financeira”. O que mostra, mais uma vez, que, nos dias que correm, interessa mais o discurso político – do que o conteúdo das políticas efectivamente executadas…

Em segundo lugar, Mário Centeno como Presidente do Eurogrupo permitiria a Merkel e Schauble prosseguirem a sua política (à medida, claro, dos interesses alemães), protagonizada, desta feita, por alguém que vem da família política socialista – e que é querido pela extrema-esquerda. Note-se que PCP e BE integram a mesma força política europeia– o que se traduz no reforço do apoio político à austeridade à la Schauble no Parlamento Europeu, pois dificilmente o grupo confederal da Esquerda Unitária europeia se oporá a Centeno.

Às críticas de austeridade cega ou de política orçamental restritiva, o Governo alemão  responderá sempre que o Presidente do Eurogrupo teve sucesso a executar a mesma política no seu país – e até logrou ter o apoio das forças de extrema, o que prova que, afinal, a política da União Europeia (e, logo, da Alemanha) não é anti-social…

Em terceiro lugar, Merkel, ao permitir a eleição de Centeno, retira qualquer espaço de manobra a António Costa para “bater o pé” a Schauble (como prometeu, em 2015, em plena campanha eleitoral), obrigando o Governo português a se conformar com a política financeira europeia. O mesmo vale para Tsipras, pois a própria Grécia já considerou Centeno um exemplo de política de rigor com uma grande ambição de igualdade social…Daí que António Costa tenha repreendido Centeno pela entrevista em que confessou o seu desejo de rumar para a liderança do Eurogrupo…

6.Tudo dito e ponderado, eis a conclusão inevitável: graças a Mário Centeno, Angela Merkel poderá muito bem reforçar (ainda mais) a sua liderança na União Europeia. Ah, como é engraçado ver hoje os vídeos de António Costa a prometer “bater o pé” à europa?

E quem diria que o Ministro herói do PCP e do BE – se tornará no “lacaio” (para usar a expressão tão recorrente no discurso da extrema-esquerda, dirigida a Passos Coelho) de Angela Merkel? Só falta mesmo Francisco Louçã no BCE! É a derradeira vitória – e vingança – da Alemanha do IV Reich…

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