A definição de poeta varia, certamente, de pessoa para pessoa. Os mais entendidos na matéria terão uma; os leigos, que apenas se entretêm a desfrutar dela, provavelmente pensarão de forma diferente. Seja como for, um dos seus aspetos mais incontornáveis terá a ver, indubitavelmente, com a honestidade bruta, o sentimento e as vivências pessoais que o poeta coloca na sua obra. Que não tem de ser, forçosamente, escrita num pedaço de papel.
No passado dia 28 de maio, um dos maiores ‘poetas’ que passou pelo futebol mundial disse adeus à pena. Neste caso, à habilidade e genialidade que colocou durante 28 anos ao serviço de um único clube. Francesco Totti, o último Imperador de Roma, despediu-se. E chorou. E com ele, choraram as mais de 70 mil almas que lotaram o Olímpico de Roma para ver o adeus da maior figura da sua história – mais os milhões que assistiram ao jogo com o Génova pela televisão, computadores ou outros gadgets da moda, que nem existiam ainda quando Totti se estreou pela primeira equipa, a 28 de março de 1993. Isto, já depois da claque do eterno rival, a Lazio, ter exibido uma tarja num jogo que nada tinha a ver com a Roma com a seguinte inscrição: «Os inimigos de toda uma vida saúdam Francesco Totti».
Foram 28 anos ao serviço da Roma, 25 dos quais como profissional e 19 como capitão, 786 jogos e 307 golos. Aos 40 anos, e na hora da despedida, aguentou enquanto pôde. Ao ver os olhos rasos de lágrimas dos filhos, desabou. «É… Aqui estamos…chegou o momento que eu nunca queria que chegasse… Nestes dias li tantas coisas que escreveram sobre mim, belas, belíssimas, chorei sempre, chorei todos os dias sozinho, como um louco. Porque 25 anos não se esquecem assim. Vocês já sabem que eu não sou muito bom com as palavras (sorriso)… Escrevi, com a minha esposa, uma carta para vocês, não sei é se vou conseguir lê-la… Sei que estão com fome, que é hora de jantar, mas eu ficaria aqui mais 25 anos… Eu não estou com pressa, ficaria aqui até aos 50 anos… É impossível resumir 28 anos de história em poucas frases. Eu gostava de o poder descrever poeticamente, em poesia, mas não sou capaz de escrever ou expressar-me assim, a não ser com os meus pés, o que para mim é muito mais simples. A propósito, vocês sabem qual é a minha companheira preferida? Ainda é a bola… Mas num determinado ponto da vida, ela diz-te: ‘Tornaste-te velho, o tempo tomou a sua decisão’. Maldito tempo… Hoje, este mesmo tempo disse-me que devo crescer e que não posso mais sentir a relva debaixo das minhas chuteiras, a adrenalina, a alegria das vitórias. Vocês lembram-se quando eram crianças e estavam sonhando algo de belo e a vossa mãe estragava tudo porque vocês tinham de ir para a escola? Desta vez não era um sonho, era a realidade. Gosto de pensar que a minha carreira foi para vocês uma história para contar. Agora terminou, terminou de verdade. Usei esta camisola pela última vez, estou bem, apesar de não estar preparado para dizer basta – e talvez nunca venha a estar… Sinto algum medo, não é a mesma coisa que sentes quando vais bater uma grande penalidade; agora não sei o que vai acontecer depois. Concedam-me o direito de ter um pouco de medo: desta vez sou eu que preciso da vossa ajuda e do vosso calor, daquele que vocês sempre me deram. Com o vosso afeto, vou conseguir virar a página e começar uma nova aventura. Nascer romano e romanista é um privilégio, ter sido capitão desta equipa foi uma honra! Estiveram e sempre estarão na minha vida. Vou deixar de vos emocionar com os pés, mas o meu coração estará sempre com vocês. Estou orgulhoso e feliz de vos ter dado 28 anos de amor. Amo-vos. Obrigado, Roma».
Se isto não é poesia…
Tiago e mais três grandes
Totti – que não anunciou ainda a retirada do futebol – não foi, porém, a única lenda do futebol mundial a pendurar as botas. Na Alemanha, foram dois de uma assentada, e ambos no Bayern Munique: Lahm e Xabi Alonso. Também eles tiveram direito a uma emocionante homenagem na Allianz Arena, sendo que neste caso a decisão está tomada: o adeus é definitivo. Lahm, 33 anos, é a grande referência do Bayern na última década: capitão, com mais de 20 anos de ligação ao clube, fez mais de 500 jogos e ganhou tudo o que havia para ganhar pelos bávaros, tendo ainda sido campeão do mundo pela Alemanha. Xabi Alonso, de 35, passeou a sua classe por Eibar, Real Sociedad, Liverpool, Real Madrid e Bayern, onde cumpriu as últimas três temporadas da carreira. Também ele um multicampeão por todo o lado onde passou.
Em Inglaterra, foi John Terry a dizer adeus ao Chelsea de sempre. Aos 36 anos, o central ainda mantém a dúvida no ar sobre o próximo passo a dar na carreira, mas Stamford Bridge – 22 anos depois – já é passado para o capitão dos maiores momentos da história dos Blues.
E por fim, Espanha… e Portugal. Porque é de um português que se fala aqui: Tiago. Dezanove dias depois de completar 36 anos, o internacional luso despediu-se num pranto do Atlético de Madrid, que representou nos últimos sete anos e meio. Fê-lo, curiosamente, no último jogo de sempre dos Colchoneros no mítico recinto do Vicente Calderón. Mais uma vez: se isto não é poesia…