Barack Obama tinha menos de um ano de mandato pela frente quando a “Atlantic” publicou uma longa reportagem sobre a sua política externa. O jornalista, Jeffrey Goldberg, um veterano norte-americano com quem o ex–presidente conversou dezenas de vezes ao longo dos anos, conseguiu que ele falasse de temas que normalmente deixaria de lado, como a frustração com os sauditas, por exemplo, sobre como Putin “não é inteiramente estúpido” e, num excerto que causou ainda mais indignação, sobre o medo exagerado causado pelo terrorismo.
Segundo Goldberg, Obama era conhecido por em privado “recordar frequentemente aos funcionários que o terrorismo reclama muitas menos vidas na América que as armas ligeiras, acidentes de carro e quedas na banheira”. Assim que a “Atlantic” publicou a reportagem, a comparação de Obama foi altamente criticada, especialmente nos círculos mais conservadores. Estatisticamente, porém, estava correta. De acordo com o “New York Times”, em 2013 morreram 464 pessoas afogadas na banheira só nos EUA, a maioria depois de escorregar e cair. No ano em que Obama começou a comparar o terrorismo a mortes na banheira, 2014, só 17 americanos morreram vítimas de atentados.
Muito se modificou desde esse momento. O Estado Islâmico não se mudou de malas e bagagens para os Estados Unidos ou a Europa, mas desde então conseguiu matar mais de 300 pessoas nas duas regiões por intervenção direta, distante ou inspiradora. Nunca tantas pessoas morreram por ataques terroristas na Europa ocidental e Estados Unidos desde os atentados coordenados pela Al-Qaeda no 11 de Setembro; em Madrid, em 2004; e Londres, em 2005. Mas se é verdade que o número de ataques e mortos ligados ao terrorismo nos EUA e na Europa aumentaram na última década, também o é que existem grandes erros de perceção. O risco de morte por atentado nas duas regiões ainda é vestigial, a percentagem de ataques é cada vez menor no bolo mundial – a Europa ronda mais ou menos 2% dos atentados mundiais – e os movimentos terroristas europeus nas décadas de 70 e 80 mataram muito mais pessoas do que nas últimas duas décadas de violência. Os ataques de hoje são mais mortíferos quando ocorrem, mas as tentativas e mortes são ainda muito mais baixas do que nas décadas de atividade das Brigadas Vermelhas italianas, Fração do Exército Vermelho alemã, ETA, em Espanha, ou IRA, na Irlanda (ver gráfico).
Nos EUA, por exemplo, só dois ataques desde a década de 1970 mataram mais de 50 pessoas – 11 de Setembro e Oklahoma – mas, ainda assim, mais de 50% dos americanos dizem estar “muito ou algo preocupados” que um familiar morra num ataque desse género, segundo uma consulta da Gallup. O risco real, no entanto, ronda uma morte por um milhão de habitantes. Em França, o país mais afetado por ataques terroristas na Europa ocidental, a hipótese de se morrer num atentado nos últimos dois anos de violência é de 0,0002%, ou 27 vezes menos provável do que morrer num acidente de carro – mesmo depois de Nice e Paris. Apesar disso, o país está em estado de emergência desde dezembro de 2015.
“O receio das pessoas em relação ao terrorismo é simultaneamente racional e irracional”, escrevia Dov Waxman em 2011 para a Universidade de Leiden. “Racional porque existe uma ameaça constante de que um ataque terrorista se repita, mas irracional por causa da probabilidade de acontecer”, explica, ligando o fenómeno aos ciclos de notícias, às redes sociais e aos sistemas que permitem a visualização exaustiva de imagens de terrorismo, ou simplesmente ao modo como o cérebro processa o medo. Grupos como o Estado Islâmico aproveitam conscientemente estes processos. “É pura guerra psicológica”, argumenta Eric Hollander, médico americano especialista em ciência comportamental e psiquiatria. “Eles não querem só assustar-nos ou que exageremos na retaliação, querem estar sempre no nosso consciente e que acreditemos que não há nada que não possam tentar.”