Jodi Cobb foi uma das protagonistas do National Geographic Summit, no teatro Tivoli BBVA, na semana passada, em Lisboa. Subiu ao palco com um ar jovem, de roupas coloridas e óculos redondos, mas com postura de quem não acha muita graça a apresentações em público. Apesar da timidez, agitou uma plateia jovem que reagiu com “ah” e “oh” a cada fotografia partilhada pela jornalista. «O meu irmão aos quatro anos perguntou aos meus pais: ‘O que é que eu posso fazer que nunca tenha feito?’ Era um bocado pequeno para uma pergunta daquele tamanho. O certo é que se tornou o meu lema de vida», partilhou Cobb com o público em Lisboa.
Viajou por mais de 60 países, é mestre da fotografia e especialista em explorar o desconhecido. A norte americana- que viveu a sua infância no Irão -, não tem o mais sonante dos nomes no meio porque é adepta da discrição. Jodi faz por passar despercebida. Porém, o talento gritante como fotojornalista não lhe trouxe sucesso nessa tarefa de quem tenta viver em pezinhos de lã. As fotografias que tira e as histórias que conta, além de serem conhecidas internacionalmente e reconhecidas através dos mais prestigiados prémios, tornam imortal aquelas que foram outrora zonas de culturas intocáveis e genuínas perante uma onda de globalização cada vez mais ágil e catastrófica.
Aos 12 anos, Cobb já tinha dado a volta ao mundo com os pais. Quando lhes disse que queria ser jornalista, não imaginavam que a filha iria abraçar a missão de eternizar parte da humanidade em pedaços de película fotográfica.
A jovem – que entrou na universidade e dançou ao ritmo da cultura hippie -, fotografou os protestos pela igualdade das mulheres e capturou os bastidores dos amigos músicos, como o hoje famoso Bruce Springsteen. Viveu o furor dos anos 60, longe de sonhar que, um dia, o seu trabalho seria enviado para o espaço, numa nave espacial chama “Voyajer”.
Ao b,i., apesar de cansada e a «sofrer os efeitos do ‘jet lag», relembra os tempos da juventude com carinho. «Não tínhamos dinheiro nenhum, aliás nós tínhamos muito pouco além da música. Tínhamos A música. Tudo o resto cabia-nos inventar. Não havia uma geração hippie anterior que pudéssemos seguir, ou que nos inspirasse determinados valor, não havia ninguém. Criámos tudo aquilo».Hoje olha para trás e aprecia 40 anos de fotografias que está a reunir num livro de retrospetivas. Entre elas, estão as da sua aventura como primeira pessoa a explorar o mundo secreto e cruel das tradições centenárias das geishas japonesas; as da revelação do místico e intocável mundo das mulheres da Arábia Saudita – a que teve acesso graças ao visto «dado pelo próprio rei em pessoa» -, ou as chocantes e arrebatadoras capturas do projeto ao qual dedicou um ano de investigação : “21st Century Slaves”, para a National Geographic.
Quando lhe perguntamos o peso de ter sido a primeira e única mulher durante algum tempo nos locais onde trabalhou, Cobb responde que foi sempre «muito óbvio» que era a única mulher. Depois de três décadas ao serviço de uma das mais famosas revistas do mundo, comenta que na maioria do tempo em que esteve na National Geographic «era a única mulher do staff», e esteve «sempre consciente de o que é que isso implicava». Garante que os colegas foram sempre «maravilhosos e prestáveis», tanto nos dois jornais em que havia trabalhado, quanto na National Geographic. «Os problemas eram sempre mais frequentes com a direção, em temos de igualdade salarial, igualdade de oportunidades de realizar determinados projetos, mas eu soube tirar partido do que ser mulher me poderia dar. Fui a sítios em que nenhum homem poderia alguma vez ter entrado», explica .
Embora seja difícil categorizar os vários projetos que desenvolveu, lembra o da escravidão do século XXI como «extremamente difícil», já que passou «um ano inteiro à procura do mal, e a encontrá-lo todos os dias». Sobre este trabalho, Jodi Cobb diz que não conseguia acreditar que os seres humanos «conseguiam atingir tamanho grau de frieza e maldade». «Foi um enorme choque e, quanto mais trabalhava na história, quantas mais situações documentava, mais furiosa ficava, mais triste e desiludida. Chorei todos os dias daquele projeto», lembra. A fotojornalista desabafou sobre a dificuldade que é testemunhar alguns dos piores cenários da humanidade com uma sensação de impotência: «Eu queria ajudar cada uma das pessoas que encontrava e fotografava. Mas de que forma podia ajudá-los? Uma vez, deparei-me com uma fábrica enorme, repleta de trabalhadores que eram todos crianças. E tudo o que eu podia fazer era fotografar o que via e partilhá-lo com as 45 milhões de pessoas que liam a revista. Sei que essa era a minha missão». No entanto não era raro o peso nos ombros tornar-se demasiado: «Às vezes, ter de justificar esta ideia amorfa do ‘criar consciência’ como sendo o suficiente é demasiado difícil. Mas era tudo o que eu podia fazer». Embora este tipo de situações exija uma certa frieza, afirma que no seu caso não pode «de todo» falar em sangue frio. «Simplesmente punha a máquina em frente à cara enquanto chorava sem parar. Algumas das piores situações a que assisti não fotografei porque não podia, ou porque me deparava com alguém num determinado cenário em que a ajuda imediata era precisa. Aí, claro que eu intervinha. Mas de repente não podia libertar todas aquelas pessoas e tive de lidar com isso».
Como é «natural», viajar sozinha exige imensos cuidados. Porém, todos os projetos obrigavam a que alimentasse uma forte rede de contactos e uma preparação rigorosa sobre o que poderia encontrar e a quem deveria pedir ajuda para chegar onde precisava. A experiência do confronto de culturas nunca era só de uma das partes: Cobb teve de lidar com a justiça dos olhos de quem via pela primeira vez uma mulher ocidental a viajar sozinha. Com um certo fascínio no olhar, termina a conversa com a partilha sobre o quanto a sua postura como mulher feminista e ocidental mudou ao longo do tempo. «Foi tão interessante essa experiência. Aperceber-me de que há todo um conjunto de razões na História dessas culturas para o rumo que algumas das suas tradições tomaram é fascinante. Porquê é que as mulheres usam burca, o hijab, ou o véu? Questionava-me mas, de repente, tornou-se perfeitamente claro e compreensível para mim. No caso do hijab e do véu, as mulheres partilhavam que se sentiam protegidas, que gostavam de o usar porque fazia com que os homens não ficassem especados a olhar para elas. Havia um anonimato que lhes permitia movimentarem-se e viajarem pela vida delas sem que os outros as controlassem», explica. «Depois houve o momento em que me apercebi, pela partilha delas, que sentiam pena de mim. Olhavam para mim e viam a minha independência como uma desistência dos conceitos de família e da proteção dos homens. Estavam sempre preocupadas com o porquê de eu viajar sozinha, o porquê de eu querer conduzir em vez de ter um motorista que me poderia levar onde eu quisesse. Por que raio haveria de querer uma coisa dessas? Se a tradição não existir com um contexto e for só uma desculpa para abusar das mulheres, devemos obviamente protestar com elas. Aí sim precisamos de ação urgente, mas é preciso saber ouvir o que as próprias mulheres têm a dizer».