Daniel Traça é o primeiro antigo aluno da Nova School of Business and Economics (Nova SBE) a ocupar o cargo de diretor da mesma. Com menos de 50 anos, esteve fora do país entre 1991 e 2008, facto que lhe permite ter uma perspetiva única sobre a economia mundial. Em entrevista durante as Conferências do Estoril, o professor de Economia destaca a mudança do paradigma económico e de modelo de crescimento de Portugal na adaptação ao mundo cada vez mais competitivo e medido a uma escala global.
Como olha para a conjuntura económica mundial?
Ainda há riscos, mas fizemos um progresso notável e estamos certamente melhor do que estávamos há um ano e do que estávamos há dois anos. Há dois anos, ainda não era claro como seria a recuperação dos EUA, a Europa estava numa crise enorme, numa recessão enorme de que não se sabia como é que se ia sair e até estávamos com risco que na China houvesse uma explosão da bolha imobiliária que criasse mais um foco de tensão. Hoje, na China, muitos desses receios já desapareceram, o mercado de ações e o mercado imobiliário têm estado a ajustar. Nos EUA, hoje, já se nota claramente uma retoma e o ciclo retomou, e do que se fala agora é da subida das taxas de juro. O quantitative easing (QE) acabou, agora, do que se fala é de uma potencial subida das taxas de juro. Mesmo na Europa começam a ver-se alguns vestígios de inflação que, a prazo, poderão levar a um fim do QE e até mesmo a uma subida das taxas de juro. Não diria que estamos sem riscos, os riscos continuam a existir. Se houver uma nova recessão, nós ainda não estamos num espaço para poder lidar com ela. Se hoje já estivéssemos num ponto em que as taxas de juro estavam elevadas, se a inflação já estivesse em níveis de 2%, havendo uma recessão, era fácil: desciam-se as taxas de juro para estimular a economia. Ainda não estamos aí. Nos EUA e na Europa, ainda estão à volta do 0%. O caminho para sair da recessão, o caminho de regresso à normalidade está traçado. Estamos num bom caminho, mas ainda há muitos quilómetros a percorrer até estarmos de regresso à normalidade económica.
Estes riscos são económicos, geopolíticos, uma mistura?
Há, obviamente, riscos geopolíticos. Por exemplo, se houver agora uma situação na Coreia. Tudo isso é uma preocupação. São coisas que podem criar uma situação de turbulência que afeta os mercados e rapidamente chega à economia. Essa é uma parte dos riscos. Outra parte são, obviamente, estas novas constelações políticas no mundo, com o resultado das eleições nos EUA, com o resultado do próprio Brexit, com o resultado das eleições francesas que, apesar de parecer um resultado de esperança, também é novo. O presidente Macron tem de provar a sua capacidade de resolver os problemas. É um ambiente novo em França porque os partidos políticos não estão representados. Tudo isto é um segundo nível de riscos: um ambiente político que é realmente novo nas grandes potências. Aqui há outra fonte de riscos. O ponto é que, se nós tivéssemos hoje uma situação normal, taxas de juro elevadas, taxas de juro normais e níveis de inflação normais, se houvesse alguma coisa inesperada, tínhamos capacidade para reagir. Hoje, ainda não estamos aí.
Os fundamentos da economia mundial parecem-lhe sólidos ou depende de região para região?
Acho que depende de região para região. Há claramente uma retoma. Há claramente uma retoma da confiança. O caminho parece sustentável e um caminho correto mas, no fundo, estamos ainda a andar numa ponte que ainda não é completamente sólida. Por isso temos de andar com muito cuidado.
E na União Europeia (UE)? Como é que se vai organizar depois do Brexit? E dentro da zona euro, que comentário lhe merece o que já foi feito e o que antevê para o futuro?
Previsões sobre acontecimentos na zona euro são algo que não me atrevo a fazer. Há dois dados interessantes. O primeiro é que o Brexit aconteceu, vai ser levado até ao fim. O líder do governo inglês vai ter uma eleição em que vai ganhar um mandato para o negociar. Agora, qual vai ser o resultado prático do Brexit, não consigo alvitrar. Na Europa, estas coisas são negociadas, negociadas com muita tecnocracia. Os ingleses vão ter de o fazer. Sou incapaz de dar uma visão concreta do que o Brexit vai representar. Acho que, obviamente, será muito mais prejudicial para o Reino Unido do que será para a Europa, disso não tenho a menor dúvida, por duas razões: o Reino Unido sente que apostou muito numa lógica de ser um grande hub global, Londres é uma das grandes cidades globais, e essa estratégia não vai ter continuidade. E, por outro lado, o Brexit foi um movimento populista. E não sei até que ponto é que esta tendência populista do Reino Unido não vai começar a afetar outras partes da atividade governamental. Se o Brexit é o fim deste processo ou se há outras dimensões da política britânica e da sociedade britânica que acabarão por ter de reagir a pressões populistas, é uma incógnita. Acho esses dois riscos relevantes do ponto de vista do Reino Unido.
E do ponto de vista do continente?
Até chegarmos ao fim do processo, vai ser muito complicado. Nos últimos anos temos sentido na Europa esta dificuldade de se catalisar com adversidades. Estas geram falta de otimismo e essa falta de otimismo gera falta de vontade. O Reino Unido pode servir de catalisador depois de estar resolvido ou se entretanto aparecer uma liderança que aponte um caminho. E temos sentido falta dessa liderança. Se o Brexit se resolver depressa, é uma oportunidade. Senão, vai criar dificuldades a que a Europa resolva rapidamente os seus problemas de funcionamento.
E isso nota-se em Portugal…
A dificuldade de a Europa encontrar o seu caminho teve, tem tido e continuará a ter um impacto no nosso país. Mas há uma versão boa e uma versão má da história. Obviamente que não vai ser fácil chegar a uma solução compacta e clara mas, ao mesmo tempo, vai dar espaço para Portugal continuar a trilhar o seu caminho no meio desta situação complexa.
A redução de fundos terá influência na estratégia de crescimento de Portugal? Como olha para a evolução recente da economia portuguesa e o que perspetiva para o futuro?
O modelo de crescimento económico que saiu da crise – e eu acho que é um bom modelo para nós – é um modelo muito baseado em virar Portugal para o mundo. São exportações, é investimento estrangeiro, emigrantes estrangeiros a virem para Portugal, é todo um mundo novo para Portugal em que Portugal está no mundo, as empresas portuguesas estão no mundo, os investidores do mundo estão em Portugal, e isso é interessante. E isso é um modelo novo. É um modelo que pode levar o país muito, muito longe. É um modelo que tenho vindo a defender ainda antes do período da troika. Nesse modelo, obviamente que os fundos estruturais jogarão e têm ajudado, menos do que podiam, mas têm ajudado. Mas se continuarmos fiéis a esse modelo, baseados naquilo que podemos fazer e não na lógica de maximizar os fundos que podem vir, esse é o modelo mais competitivo. Esta lógica das empresas que querem expandir-se, que se querem internacionalizar, que querem exportar para todo o mundo é uma lógica saudável e não deve depender só de fundos estruturais. Desse ponto de vista, alguma dificuldade que venha do lado dos fundos não é um obstáculo intransponível ao sucesso do país.
Quais as principais dificuldades da economia portuguesa?
A dívida pública é, obviamente, um aspeto complicado. Não se está à espera que o quantitative easing levante as taxas de juro a curto prazo mas, a longo prazo, vai levantar. Temos aqui uma corrida entre recuperar a nossa credibilidade e baixar o nosso risco até conseguirmos baixar a nossa dívida e as taxas de juro regressarem à normalidade. E essa normalidade é os juros serem mais altos do que são hoje.
Quando fala em virar Portugal para o mundo, é para o mundo inteiro ou deve–se apostar em regiões diferentes?
Deve ser o mundo inteiro e, em especial, o mundo com potencial de crescimento. A dificuldade do modelo anterior era que exportávamos muito para a Europa e a Europa não estava a crescer. Devemos ajudar as empresas portuguesas a exportar para os mercados da Ásia, que são mercados de alto crescimento, e diversificarmos um bocadinho até para estarmos mais imunes a uma crise muito específica. E temos potencial para a diversificação da atividade, e quando digo empresas digo turismo, digo tudo.
Essa abertura ao mundo nota-se na Nova SBE?
Noto muito, nós recebemos muitas candidaturas de alunos estrangeiros. Este ano, mais de 55% das candidaturas aos nossos mestrados foram de alunos estrangeiros. Vêm porque a escola tem trabalhado, mas também vêm porque, hoje, Portugal tem uma imagem muito interessante. Hoje temos investimento estrangeiro não só de curto prazo, temos estrangeiros a investir no nosso imobiliário. E imobiliário é um investimento de longo prazo porque é um ativo fixo. Há uma confiança naquilo que tem sido o processo de Portugal que se sente nesses atores. Quando os alunos estrangeiros vêm para Portugal, quando os investidores estrangeiros querem vir para Portugal e investir em Portugal é porque há uma confiança no potencial que o país tem e no potencial que o país tem no médio e longo prazo.
Da sua experiência em todo o mundo, o ensino é muito diferente ou dá resposta a esta globalização?
O ensino é igual e diferente. Hoje, as escolas aprendem umas com as outras. Se as escolas inovam, as outras escolas estão a ouvir. Se as inovações são de sucesso, rapidamente se propagam. E também há espaço para as escolas se focarem em determinados pontos e se diferenciarem a partir daí. Nós temos trabalhado muito nesta ideia fundamental: temos uma geração nova, que está agora a chegar ao mercado de trabalho, que é fundamentalmente diferente naquilo que querem ser e nós temos de nos adaptar a esta nova juventude que nasceu já neste novo milénio. E é um desafio enorme.