A noite eleitoral britânica tem um ‘moral da história’ óbvio – podemos começar por um «quem tudo quer tudo perde». Theresa May avaliou desastrosamente a sua força política. A eleição que iria servir para a reforçar sujeitou-a à humilhação da perda da maioria absoluta. O discurso de vitória – lá no seu círculo eleitoral, Maidenhead – parecia um elogio fúnebre de si próprio pronunciado por um morto-vivo. Sim, venceu as eleições – mas, só para fazer uma comparação com Portugal, tem hoje a mesma força política que Sócrates depois de ter perdido a maioria absoluta nas eleições de 2009. É uma líder a prazo que vai abandonar o cargo ainda antes das negociações do Brexit chegarem ao fim. Bastou ouvir o discurso de Boris Johnson, ministro dos Negócios Estrangeiros, para se perceber onde está o próximo líder conservador. Boris, que é tudo menos parvo – não o desprezem só por ter um cabelo ‘parvo’ – percebeu que a ruína dos Tories está para breve se não acontecer alguma coisa urgentemente. May, que agora quer suspender os direitos humanos para combater o terrorismo, vai tropeçar muito rapidamente na próxima curva.
Jeremy Corbyn foi a surpresa da noite. O Labour não tinha 40% dos votos desde os tempos de Tony Blair. Ao atingir aquele patamar, Corbyn deu uma lição aos blairistas, que passaram os últimos anos profundamente convencidos que só uma esquerda suficientemente parecida com a direita poderia ganhar as eleições no Reino Unido. Desde o dia em que foi eleito por acaso líder dos trabalhistas (é verdade que foi por acaso, inicialmente Corbyn decidiu concorrer apenas para marcar uma posição) que Corbyn tem sido fustigado até à loucura pela esquerda centrista, toda aquela que se esqueceu da herança do velho Clement Attlee, o homem que governou o Reino Unido em coligação com Churchill durante a guerra e depois venceu as eleições em 1945.
A votação maciça em Corbyn veio demonstrar o valor das convicções e a derrota do socialismo da capitulação – que tem sido mais ou menos a história da vida dos sociais-democratas europeus nos últimos anos. Mas há quase uma justiça poética em que tenha sido um homem velho – uma espécie de anti-Blair também naquilo que era plástico e imagem fabricada para agradar aos tabloide – a convencer os britânicos de que existe uma quarta via.