Reino Unido: o populismo dos anti-populistas

Surpreendido com o desfecho eleitoral no Reino Unido? Sim, podemos afirmar que, de facto, ocorreu uma alteração de padrão de comportamento na eleição que ocorreu na passada quinta-feira

1.Surpreendido com o desfecho eleitoral no Reino Unido? Sim, podemos afirmar que, de facto, ocorreu uma alteração de padrão de comportamento na eleição que ocorreu na passada quinta-feira. Alteração que não se traduziu no veredicto eleitoral, na deliberação democrática do povo britânico – mas, isso sim, na reacção dos media ao resultado obtido pelas várias forças políticas, designadamente pelos tories (partido conservador)  e pelo partido trabalhista.

Expliquemos claramente: julgávamos nós que a imprensa internacional e portuguesa (já reparou que os órgãos de media nacionais, tributários do politicamente correcto na sua versão mais pura e radical, limitam-se, muitas vezes, a reproduzir o que é escrito pelos seus pares estrangeiros com um acriticismo gritante?) iria festejar a derrota de mais um populista em território europeu. Que as capas dos jornais seriam “Corbin perde: populismo derrotado”, “ discurso populista sofre um novo revés – Corbin não vai ser Primeiro-Ministro” , “ Liberdade e Segurança: britânicos optam por Theresa May”, “ Jeremy Corbin: Loser!”, “Jeremy Corbin perde: Europa respira de alívio”.

2.Mas não, nada disso: as capas dos jornais do dia seguinte limitaram-se a salientar a diminuição da presença dos conservadores no Parlamento e o aumento dos deputados do Partido Trabalhista. Ou seja: Theresa May, que ganhou as eleições, foi rotulada como perdedora pelos jornalistas e comentadores; Jeremy Corbin, que perdeu as eleições, foi qualificado como o grande vencedor da noite eleitoral! Parece, pois, ser uma tendência nesta Europa deveras democrática: quem ganha o acto eleitoral, perde; quem perde o acto eleitoral, ganha. Que exemplo de tolerância democrática e liberdade que nos é dada diariamente pelos media europeus!

3.O que mostra, mais uma vez, que os jornais e a pseudo-elite do politicamente correcto não estão preocupados com o populismo: estão preocupados com o populismo…que não lhes agrada. Ou que não lhes é conveniente. Se o populismo for de pendor direitista é péssimo, uma tragédia, um cataclismo para a humanidade; já se o populismo for de pendor esquerdista, o populismo passa a ser bestial, uma solução mirífica para o nosso futuro, um sinal de regeneração da Europa! Eis, destarte, o lado positivo do resultado eleitoral de Jeremy Corbin: permitiu confirmar o que nós aqui prevíramos – os jornalistas e comentadores só gostam (e gostam de tudo!) o que vier com a etiqueta de esquerda.

Por esta razão, há muito que nós afirmámos que os mesmos que propalam os valores democráticos, que tentam dar-nos lições (certamente muito eruditas) – são os mesmos que estarão amanhã na linha da frente a defender ditadores sanguinários, desde que sejam de esquerda. Odeiam Passos Coelho –mas se  Passos aplicasse o mesmo programa político, munido do cartão de militante do PS, seria um herói nacional e internacional. Se Donald Trump se intitulasse claramente como “candidato da esquerda”, seria um ícone mundial.

4.A maioria dos nossos jornalistas do politicamente correcto entendem que há problemas em querer regular a imigração para proteger os cidadãos nacionais, num clima de “guerra difusa” contra os terroristas radicais em que vivemos (quer queiramos admitir, quer não) – mas defender que a propriedade privada é perniciosa para a sociedade, já é um avanço civilizacional. Infelizmente, no nosso discurso público, falta coerência – e abunda hipocrisia. Faltam convicções – abundam conveniências.

5.Dito isto, importa explicar a razão pela qual a elite do politicamente correcto alinhou completamente com Jeremy Corbin, um político que, em Portugal, seria militante do Bloco de Esquerda. É que, curiosamente, a União Europeia apoiou, nos bastidores e com entusiasmo, o candidato populista do Partido Trabalhista.

Ou seja, os mesmos líderes políticos que se reuniram para discutir os perigos do populismo para a construção da União Europeia – foram os mesmos que patrocinaram um populista nas eleições do Reino Unido. Porquê? Porque este populismo serve os interesses do establishment desta União Europeia, designadamente de Angela Merkel/Schauble. 

O objectivo da Alemanha (que é o mesmo que dizer da União Europeia) era lançar o caos político no Reino Unido, promovendo Corbin e enfraquecendo os conservadores e os “brexiters”. Caso Corbin formasse Governo, o Reino Unido continuaria na União Europeia – e, cereja no topo do bolo, continuaria em posição enfraquecida. Resultado: o eixo Berlim-Berlim seria fortalecido. Angela Merkel seria definitivamente a Senhora Europa, impondo o seu poderio aos dois lados do Canal da Mancha.

7.Numa altura em que os democratas, nos EUA, continuam a insistir na efabulação da interferência russa nas eleições presidenciais de Novembro passado, seria curioso que os mesmos paladinos da verdade do politicamente correcto se interrogassem sobre a interferência (declarada e velada) da União Europeia no processo eleitoral britânico. 

Terá sido coincidência que Angela Merkel e Juncker se tenham multiplicado em declarações de endurecimento da posição oficial da UE nas negociações do Brexit nas duas semanas que antecederam o acto eleitoral? Não foi certamente uma coincidência: foi uma actuação estratégica concertada entre as autoridades alemãs e a cúpula da União Europeia.

Isto é gravíssimo: a União Europeia (supostamente um organização supra-nacional) actuou como um verdadeiro Estado, interferindo na vida política interna de outro Estado. Se Merkel tivesse actuado beneficiando o PSD ou o CDS em Portugal, seria um escândalo; agora, Merkel actuar para beneficar Jeremy Corbin – candidato alinhado com os interesses do poder instituído- é perfeitamente natural, até recomendável.

Para além de que é curioso constatar que o discurso de apoio a  Jeremy Corbin assentou no mais puro e evidente populismo: tentou evidenciar o papel de Theresa May, por incompetência, na ocorrência dos atentados terroristas em solo britânico (a culpa da morte de tantos cidadãos britânicos é dos conservadores); Theresa May é racista; Theresa May tem uma política dos “ricos” contra “os pobres”. Isto não é populismo, meus caro “anti-populistas”?

8.Conclusão mais inquietante: a União Europeia sai muito mal deste filme, adensando o discurso de que se está a converter numa espécie de União Soviética – só que mais “centralista” e menos “democrática”…

joaolemosesteves@gmail.com