«O que o dinheiro faz por nós não compensa o que fazemos por ele.»
Gustave Flaubert
Cada semana que passa, desde que o Governo socialista ‘geringonciano’ tomou posse, confirma-se que o PS colocou a Concertação Social na gaveta. Isso é absolutamente evidente.
Os acordos para-políticos celebrados com o PCP e o BE reduziram a Concertação Social a um espaço de mera conversa, onde pouco se consensualiza e pouco se acorda em nome dos superiores interesses de Portugal e dos portugueses, pois tem imperado a ‘unipolaridade sindical’.
Essa unipolaridade tem feito o seu caminho, a par das sucessivas decisões em sede de Conselho de Ministros e em sede parlamentar.
Basta consultar a produção política e legislativa das doze Comissões Parlamentares Especializadas para se confirmar que as matérias relativas ao Trabalho e à Segurança Social são as que maioritariamente têm recebido propostas, quer para audição quer para aprovação, por forma a construir um novo edifício jurídico atinente às matérias socio-laborais.
É um erro o que o Governo e o PS estão a fazer, ao colocarem a Concertação Social na gaveta. Um erro que o país e os portugueses vão pagar caro. E que o próprio PS, no médio e longo prazo, também pagará.
A unilateralidade da distribuição de rendimentos e de demais direitos, sem olhar à realidade do país, à sua economia, ao seu modelo económico, ao que os representantes dos diversos sectores da atividade económica sustentam, é um enorme erro. Pode servir para neutralizar os parceiros políticos da ‘geringonça’, para subir nas sondagens, mas é sol de pouca dura. Porque em países como o nosso precisamos de muito mais do que viver em festa de distribuição de rendimentos, direitos, expectativas, etc.
Sejamos sérios. Todos nós respeitamos e professamos a defesa dos direitos sociais e colectivos, e gostaríamos de viver num país sem fome, sem pobreza, etc. E com qualidade e nível de vida acima da média, com poucas diferenças sociais e económicas. Só que a realidade é a que é — e não a que desejaríamos que fosse.
Uma coisa é certa: quando o ex-primeiro-ministro e secretário-geral do PS Mário Soares criou em 1984 o Conselho Permanente de Concertação Social, as intenções eram as melhores: consensualizar ao máximo todas as matérias atinentes ao Trabalho e à Segurança Social.
E já à época, combatendo o que o PCP e outros movimentos de extrema-esquerda defendiam. Que, na prática, é muito do que hoje preconizam o BE, o PCP e a ala radical do PS (que só por mero interesse não está no PCP ou no BE).
A extrema-esquerda impõe ao Governo a desvalorização da Concertação Social, e a utilização da Assembleia da República para aprovar um conjunto de matérias neste domínio. Fugindo à realidade, à política do compromisso, condicionando cada vez mais os caminhos do consenso de que Portugal e os portugueses tanto necessitam.
O preço das cedências do Governo e do PS ao PCP e ao BE vai surgir mais depressa do que se imagina. O país e os portugueses, em geral, ainda não perceberam bem quais serão os impactos negativos da colocação da Concertação Social na gaveta. E quando perceberem já será provavelmente tarde.
Nestas como noutras matérias, quem usa graçolas de mau gosto geralmente não tem razão. Aliás, é curioso que aqueles (sobretudo PCP e BE) que sempre desvalorizaram o Parlamento, trocando-o pela rua, agora coloquem a rua no baú – e, ao fim de tantas décadas de democracia, revelem um amor súbito pelo Parlamento.
É óbvio que estamos perante um exemplo claro da incoerência e da falta de memória de vários protagonistas da esquerda. Confirmando que ser de esquerda ou de extrema-esquerda, como recentemente escrevemos, não é um certificado de virtude. Antes pelo contrário.
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