Pela segunda vez consecutiva, o cálculo politiqueiro da liderança do Governo saiu totalmente furado: a um referendo desenhado para apaziguar a ala eurocética dos conservadores e travar a ascensão de Farage e do seu UKIP, soma-se uma pírrica vitória eleitoral ao invés de um banho de legitimidade a uma liderança perdida no labirinto da sua estratégia incompreensível.
Em primeiro lugar, ao invés de reforçar a maioria nos Comuns, a eleição fá-la desaparecer por completo, deixando os tories numa posição minoritária sem parceiro de coligação estável e viável.
Em segundo lugar, o resultado deita por terra o desejo da primeira-ministra em obter um mandato popular para o seu hard Brexit (ciente de que está muito longe de conseguir interpretar adequadamente as motivações de todos os que votaram para sair em junho do ano passado).
Em terceiro lugar, a eleição permite aos trabalhistas ganhar um fôlego renovado, que apesar de aparecer para muitos observadores desatentos como uma surpresa, já se conseguia ir lendo na forte adesão e entusiasmo da campanha, especialmente no eleitorado jovem. Aliás, Corbyn não só recupera 30 mandatos (sendo a primeira vez desde 1997 que o Labour sobe em deputados), como consegue a maior subida de votos desde a eleição de 1945 e a segunda percentagem e o segundo número absoluto de votos mais altos desde 1974.
Contudo, pior do que o resultado em si mesmo, o processo de formação do próximo Governo, liderado por uma primeira-ministra sob fogo cerrado entre os que querem um Brexit ainda mais duro e os que, como Major ou Cameron, apelam ao bom senso, nada augura de bom.
O acordo de tolerância parlamentar com o Partido Democrático Unionista (DUP) da Irlanda do Norte corre o risco de destabilizar o processo de paz, num momento de particular fragilidade que atravessa, transformando o Governo de Londres num parceiro de uma das partes no conflito, incapaz de desempenhar o papel de mediador neutro que lhe compete. Mesmo deixando de lado as posições radicais do DUP em matéria de igualdade, direitos e liberdades ou aquecimento global, só o debate em torno da necessidade de definir qual o regime de fronteiras a Sul, com uma República da Irlanda membro da União Europeia, já antecipa um quadro de dificuldades tremendo.
Como aqui já escrevi em tempos, a União Europeia deve prosseguir como o adulto na sala no debate sobre o Brexit. Os sinais de abertura e disponibilidade para manter a porta aberta, com firmeza, de vários dirigentes políticos europeus – com Macron à cabeça –, estão na linha certa. Esperemos que o bom senso prevaleça também do lado de lá da Mancha…
* Vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS