Aqui há alguns anos, milhões de portugueses, em eleições livres, votaram no PS porque queriam que fosse José Sócrates a governar-nos, e venceram – com as consequências que todos conhecemos e que não comentarei.
Desses milhões de eleitores, uma grande parte votou assim por razões puramente clubísticas: são pessoas que votam PS sempre, quaisquer que sejam as circunstâncias e os candidatos – tal como os benfiquistas que idolatram o Benfica desde a infância até à morte, do modo mais irracional (mesmo se são pessoas inteligentes, que também as há).
Mas uma parcela importante dos que votaram no PS de Sócrates tomou essa decisão apesar de não se tratar de militantes socialistas nem fanáticos apoiantes desse partido. Fizeram-no porque o dito candidato era apresentado, pelos media, como alguém dotado de qualidades raras num político nacional: a combatividade, o dinamismo, o espírito reformista, o ‘carisma’, etc…
E agora eu pergunto: se estivéssemos hoje à beira de eleições legislativas e o mesmo Sócrates fosse de novo cabeça-de-lista do PS, será que os milhões de portugueses que nele então votaram fariam o mesmo – quando já não podem ignorar as múltiplas e graves suspeitas que pesam sobre ele e que, para a nossa Justiça, representam um trajecto percorrido fora-da-lei?
Não obstante a nossa fama de povo que revela grande sabedoria nas contendas democráticas, é bem possível que o ‘animal feroz’ voltasse hoje a ganhar eleições. E é pena que a experiência não possa ser feita, pois assim ficaria demonstrado, duma vez por todas, se estamos ou não aptos a viver em democracia, e se temos ou não os governantes que maioritariamente merecemos.
Seja como for, este preâmbulo serve principalmente como base para a seguinte reflexão: quando o actual primeiro-ministro, António Costa, beneficia de um clima mediático favorável e acrítico sem paralelo, e de sinais duma aceitação pública crescente, será que isso se deve sobretudo aos resultados dos indicadores económicos que vão surgindo (graças à acção do seu Governo, ou apesar dela), ou deve-se antes à circunstância de lhe serem sempre atribuídas pelos media qualidades como a de ser «o político mais dotado da sua geração», de ter uma «incomparável habilidade política» e uma «insuperável capacidade para fazer pontes e estabelecer consensos», etc.? Qual destes factores será mais convincente em Portugal?
E, embora eu admita que Costa dá mostras das ditas características, atrevo-me no entanto a questionar: não seria mais sensato e prudente averiguarmos se o primeiro-ministro põe os referidos traços de personalidade ao serviço do bem-comum e do país – ou se, pelo contrário, os seus triunfos e benefícios pessoais serão a única coisa que realmente lhe importa, tal como parece ter acontecido com o ex-primeiro-ministro Sócrates?
António Silva Carvalho, Médico