Deve a Ministra da Administração Interna demitir-se? Só para ajudar Costa

1.Muito se tem discutido nos últimos dias o cenário de demissão da Ministra da Administração Interna, Constança Urbano e Sousa. Isto porque a calamidade diabólica que assolou Portugal no passado fim de semana não poderá deixar de gerar responsabilidade política – alguém terá que prestar contas pelo sucedido.  Infelizmente, todos choramos a morte de sessenta…

1.Muito se tem discutido nos últimos dias o cenário de demissão da Ministra da Administração Interna, Constança Urbano e Sousa. Isto porque a calamidade diabólica que assolou Portugal no passado fim de semana não poderá deixar de gerar responsabilidade política – alguém terá que prestar contas pelo sucedido.

 Infelizmente, todos choramos a morte de sessenta e dois concidadãos – ora, nunca uma tragédia da qual resultaram vítimas fatais deixou de provocar consequências políticas imediatas, designadamente a demissão de um Ministro. Basta pensar no caso da tragédia da queda da ponte de Entre os Rios: Jorge Coelho, Ministro das Obras Públicas, demitiu-se invocando a necessidade de a culpa não morrer solteira.

2.Pois bem, a oposição ao actual Governo (leia-se: PSD e CDS) veio já exigir a assunção de responsabilidades pela Ministra da Administração Interna , o que é consonante com os precedentes políticos portugueses. Argumentos a favor da demissão: houve falha e descoordenação na reacção aos incêndios; deficiências no comando das operações de combate e salvamento; demora e incompetência do Governo em executar as medidas de reforma da floresta e de prevenção dos incêndios. E que o próprio António Costa tem inviabilizado o conhecimento de toda a verdade sobre a tragédia de Pedrógão Grande aos portugueses, porque demasiado inconveniente para o Governo – e que tentará sonegar factos que revelem a negligência do Governo que, se não originou, agravou a dimensão da tragédia.

3.Que dizer? Na nossa opinião, a demissão da Ministra Constança Urbano e Sousa é indesejável, pelo menos no imediato. Isto por três ordens de razão:

a)A demissão da Ministra seria apenas criar um novo problema – e não uma solução. Tal deve-se ao facto de a substituição da Ministra implicar uma mudança de equipa, de procedimentos internos, produzindo “custos de adaptação” que poderão ser mais prejudiciais nesta fase do que benéficos. De facto, mudar a equipa da Administração Interna significa um novo começo, um retrocesso, uma necessidade de adaptação à máquina burocrática do Ministério – ou seja, tudo isto seria prolongar a indecisão. Por muito brilhante e especialista que o (eventual) próximo Ministro fosse, não é fácil, nem imediata a compreensão do funcionamento de uma estrutura tão pesada quanto o Ministério da Administração Interna. Se do ponto de vista da politiquice, da política dominada pela agenda mediática, a demissão da Ministra é uma jogada política pagante – a verdade é que na óptica do interesse nacional, da política encarada como estratégia e a forma mais nobre de serviço público, o pedido de demissão de Constança Urbano e Sousa é um acto falhado de alguns elementos da oposição;

b) No caso de demissão de Constança Urbano de Sousa, pergunta-se: quem assumiria, neste momento, o lugar de Ministro da Administração Interna? Quem se colocaria nesse papel, sabendo que seria trucidado e apanharia a máquina num estado caótico, envolta no centro do furação político? Nenhum dos Secretários de Estado tem perfil ou idiossincrasia para assumir a liderança do Ministério. E já se fala – imagine-se! – de Ascenso Simões para substituir Constança Urbano de Sousa: nada mais, nada menos que o Secretário de Estado de José Sócrates, que já confessou a sua quota de responsabilidade pelas infelizes ocorrências em Pedrógão Grande e Góis.  Portanto, a substituição da Ministra seria mais prejudicial para o interesse nacional do que a sua manutenção;

c) A demissão da Ministra é, em Portugal, o remédio para todos os problemas: a educação está pior, muda-se o Ministro; a saúde piora, muda-se o Ministro; há um problema de seca, muda-se o Ministro da Agricultura. É assim: há um problema, demite-se o Ministro. Em vez de o mote ser “para cada problema, uma solução”, os políticos portugueses orientam-se pelo mote “ para cada problema, uma demissão”. Como se Portugal e o mundo mudassem com a mudança de Ministro! Esta tradição – que existe muito por culpa dos comentadores políticos/políticos, de que foi exemplo máximo o próprio Marcelo Rebelo de Sousa – mostra a fragilidade (falta de qualidade?) da nossa democracia.

A demissão do Ministro funciona, pois, como um bálsamo, uma manobra de diversão que permite esconder o problema – ou disfarçar incompetências. A oposição dirá que é uma derrota para o Governo e uma vitória para si; o Governo dirá que reagiu prontamente e que não permite que as responsabilidades fiquem por apurar. E Portugal? Portugal fica igual, com exactamente o mesmo problema que gerou a tragédia! Demitir a Ministra, neste momento, é a melhor garantia que tudo ficará na mesma – e permitirá ao Governo lavar as mãos do problema (e à oposição desinteressar-se do problema, pois “já o resolveu” com a demissão…);

d) Mesmo numa visão tacticista, para a oposição, a demissão da Ministra é um presente que oferece a António Costa – a saída de Constança Urbano de Sousa permitirá que António Costa seja absolvido  no tribunal da opinião pública, ficando a Ministra como a única responsável pelo sucedido. Por outro lado, a entrada de uma nova figura geraria um período de “estado de graça” do novo Ministro, que inviabilizaria qualquer discussão séria e escrutínio sobre o que verdadeiramente se passou no último fim de semana.

Por último, a manutenção de Constança Urbano de Sousa significará a manutenção de uma Ministra que está objectivamente fragilizada – o que, numa visão puramente tacticista e politiqueira, é positivo para a oposição.

4.Quer numa visão patriótica e centrada no interesse nacional (que é a nossa), quer numa visão puramente tacticista e egoísta (partilhada por alguns membros da oposição) – a demissão da Ministra Constança Urbano de Sousa é um cenário negativo. Uma verdadeira não-solução.

Que se apurem as responsabilidades, que a oposição seja firme no apuramento da verdade e na busca de soluções – e depois, só depois, se haverá que ponderar as consequências políticas ao nível da composição do Governo. Passemos à frente do folhetim tão português de pedidos de demissão da Ministra e de “passa-culpas”…

joaolemosesteves@gmail.com