Ao escrever estas linhas ainda é incerto o desfecho da votação na Assembleia da República sobre as iniciativas legislativas que visam introduzir a garantia de representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das empresas do setor público empresarial e das empresas cotadas em Bolsa. A matéria está longe de ser consensual no debate político (em Portugal e fora dele), subsistindo muitas resistências à ideia das quotas enquanto instrumento válido para alcançar e, acima de tudo, para acelerar a construção da igualdade real entre homens e mulheres.
No entanto, existe um claro mandato constitucional que aponta para a promoção dessa igualdade como tarefa fundamental do Estado, fazendo recuar o inaceitável desequilíbrio na representação de mais de metade da população nos principais órgãos de decisão política, económica e social. Trata-se não só de um imperativo de justiça e de realização da igualdade substancial, mas de uma necessidade imperiosa de garantir o direito de todos a intervir na vida da cidade e na definição do seu futuro.
O impacto que a opção da consagração das quotas para o sexo menos representado teve na representação política é a melhor demonstração da sua valia, do seu papel transformador da participação política e de garantia de exercício de direitos fundamentais.
Desde que foi aprovada a Lei da Paridade, em 2006, que o número de mulheres no Parlamento tem aumentado em todos os atos eleitorais. O quadro das eleições legislativas é particularmente claro: em 2011 chegámos a um valor próximo dos 25% e em 2015 alcançou-se pela primeira vez um terço de eleitas. Ainda que no plano local as mudanças não tenham sido tão céleres no aumento de liderança de autarquias por mulheres (apesar de termos hoje o mais elevado número de mulheres na presidência de órgãos das autarquias locais), os órgãos colegiais são cada vez mais equilibrados e a tendência é precisamente a mesma registada no plano nacional, que é a do crescimento irreversível do peso das mulheres na decisão política.
Devemos ser claros em afirmar sem tibiezas que o potencial das mulheres está a ser reiteradamente subaproveitado por tetos de vidro ainda muito sólidos, que ditam a prevalência de estereótipos na escolha de cargos de direção e levam a que setores profissionais onde a presença de mulheres tem aumentado continuem a encontrar no topo das pirâmides organizativas apenas homens. Os estudos que analisam o impacto dos diversos graus de adesão à igualdade de género nas estruturas empresariais são particularmente claros e concluem pelas vantagens evidentes (e pelo melhor desempenho) daquelas que abraçaram a diversidade e o equilíbrio entre homens e mulheres.
A lei em discussão terá forçosamente um impacto limitado ao setor público e às empresas cotadas. No entanto, cumpre não desvalorizar o acrescido papel pedagógico que pode desempenhar, ajudando a mudar as mentalidades que tardam em valorizar a igualdade nos centros de decisão económica.
Opinião por Pedro Delgado Alves