Num período da História partilhado com algumas das mais marcantes figuras das décadas de 80 e 90, casos de François Mitterrand, Margaret Thatcher, Ronald Reagan, George H. W. Bush ou Mikhail Gorbachev, e tendo como antecessores nomes ímpares da política alemã do pós-guerra, como Konrad Adenauer, Willy Brandt ou Helmut Schmidt, ao alto, desajeitado e, para muitos, provinciano Helmut Kohl não se lhe aspiravam grandes voos. Pouco depois das eleições de 1976, na República Federal da Alemanha (RFA), que o coroaram como líder da União Democrata-Cristã (CDU) no Bundestag, o líder do União Social-Cristã (CSU) – o partido irmão dos democratas-cristãos na Baviera – chegou a referir-se a ele como «completamente incapaz» de poder vir a exercer o cargo de chanceler. «Falta-lhe o caráter e faltam-lhe as qualificações políticas e intelectuais. Falta-lhe tudo», apregoou Franz Josef Strauss, que viria a avançar para a eleição, quatro anos mais tarde.
Mas Strauss perdeu para Schmidt, do Partido Social-Democrata (SPD), e saiu de cena, dando espaço para Kohl tentar a sua sorte. E os feitos alcançados pelo homem simples de Ludwigshafen, na Renânia, falam por si: dezasseis anos de chancelaria, quatro eleições vencidas, a reunificação da Alemanha, um novo impulso na integração europeia, e comparações com Otto von Bismarck, o prussiano que concebeu o Estado-nação alemão, através da unificação de vários territórios germanófilos do centro do continente europeu, em 1871.
Nascido a 4 de abril de 1930, Helmut Josef Michael Kohl foi o terceiro filho de uma família católica modesta. Não chegou a combater na II Guerra Mundial – ao contrário do seu irmão, morto em 1944 na Normandia -, mas a sua terra natal foi alvo de sucessivos bombardeamentos dos aliados, na fase final do conflito em solo europeu. Terminada a guerra, Kohl entra para a universidade, onde estuda em Direito e Ciência Política. A sua tese de doutoramento, dedicada à reinvenção dos partidos políticos da Renânia no pós-guerra, confirmou a ambição sincera de se dedicar à política e ao serviço público – já integrava as fileiras da CDU desde os seus 16 anos.
Subiu a pulso, durante quase 20 anos, todos os degraus do partido a nível local, embevecido pela figura de Adenauer, o velho democrata-cristão que, aos 73 anos e nos 14 seguintes, dirigiu a Alemanha ocidental, reconstruiu a sua economia e levantou a sua moral. Em 1969, Kohl chega à liderança do estado da Renânia-Palatinado, tornando-se no mais jovem de sempre a exercer o cargo máximo de chefia num Bundesland.
Mas se no seu estado natal era dono de uma reputação valorosa, construída através de um infatigável processo de transformação do braço local da CDU num corpo partidário mais liberal, na arena política nacional era menosprezado. O sotaque carregado, a postura desajeitada – media 1,93 metros, uma altura rara, mesmo para um alemão, e parecia estar sempre desconfortável, enfiado em gigantescos fatos – e o perfil anticosmopolita eram motivo de chacota no seio da elite política da Bona, a capital da RFA.
A chegada ao parlamento alemão, em 1976, aliada à derrota de Strauss, em 1980, abriram então caminho à ascensão política de Kohl, contra todas as expetativas. A primeira grande prova de habilidade política valeu-lhe o cargo de chanceler, em 1982. Aproveitando as divergências entre o SPD e os seus aliados do governo, o Partido Democrático Liberal (FDP), Helmut Kohl convenceu estes últimos a trocarem de aliança e, com o seu apoio, foi nomeado para dirigir o governo, após uma moção de censura a Schmidt. Um ano depois, na sequência da dissolução do Bundestag por si decretada, assistiu à legitimação do golpe político que liderara contra o SPD, com a vitória dos ‘seus’ democratas-cristãos nas eleições federais.
O momento decisivo na transformação da carreira política de Kohl, em algo mais do que um percurso interno proveitoso, aconteceu na noite de 9 de novembro de 1989. O chanceler até estava em Varsóvia, quando em Berlim caía o muro que dividia a cidade. Kohl voou de imediato para lá, movido pelo instinto e consciente da oportunidade que a História lhe estava a ofertar. Recebeu de braços abertos os berlinenses de leste e dias mais tarde apresentou o seu plano de dez pontos para a reunificação alemã, perante a desconfiança de Miterrand, presidente francês, e de Thatcher, primeira-ministra britânica, e a luz verde do presidente norte-americano, George. W. H. Bush.
Se Bush e Kohl viam a união da RFA com a República Democrática Alemã (RDA) como inevitável e ainda para mais enquadrada num quadro histórico ideal, fruto da perestroika e da glasnost de Gorbatchev – os planos de restruturação e abertura, económica e política, da União Soviética e estados-satélite -, aos líderes europeus aterrorizava-lhes a ideia de ressurgimento de uma nova potência continental alemã, no centro da Europa. Revelando uma habilidade diplomática extraordinária e um charme político eloquente, o chanceler da RFA fez-se valer do momento para, alimentado com a caminhada imparável dos alemães da RDA para Ocidente, convencer toda as partes em jogo dos benefícios de uma Alemanha unida.
Com milhares de milhões de marcos para investir, Kohl ofereceu aos vizinhos, aliados e adversários exatamente aquilo que queriam. Aos húngaros deu dinheiro, em troca da abertura da fronteira, aos polacos cedeu de forma definitiva os territórios a leste da linha Oder-Neisse, aos soviéticos propôs financiamento para a restruturação política de Gorbatchev, e aos franceses, britânicos, americanos e seus aliados fez uma oferta irrecusável: reunificar o país no quadro da CEE e da NATO e, principalmente, aceder às exigências francesas de colocar o marco alemão à disposição da Europa. Como? Através da criação da moeda única, alicerçada na força da moeda alemã.
Helmut Kohl tinha perfeita consciência de que esta decisão não era vantajosa para o país de um ponto de vista estritamente económico. Mas sabia que era o preço a pagar para voltar a unir a Alemanha – algo que veio a acontecer em 1990, com o Tratado da Reunificação. O Bundesbank opôs-se desde o início ao plano da moeda única e opôs-se igualmente a outra medida arrojada do chanceler: dar a possibilidade aos alemães de leste de trocarem os seus marcos, pela taxa de conversão 1:1. Tal decisão obrigou o banco central alemão injetar milhões para impedir o colapso da economia do país. O Tratado de Maastricht, de 1992, oficializou o compromisso do chanceler em unir a Alemanha sobre o signo da integração comunitária.
A recessão da economia alemã, ao longo dos anos 90, e as dificuldades sentidas por Kohl em encontrar uma forma de elevar a produtividade da antiga Alemanha de leste a patamares próximos dos da ex-RFA, contribuíram para a derrota nas eleições de 1998, contra Gerhard Schröder, do SPD, dezasseis anos e quatro triunfos eleitorais consecutivos – que lhe valeram o epíteto de mais longo líder político do pós-guerra alemão.
A partir daí, Kohl enveredou por um trilho que o levou à ruína política. Foi acusado de ter aceitado financiamento partidário ilegal e caiu em desgraça dentro da CDU, de onde foi escorraçado, em 2000, pela atual chanceler Angela Merkel. A saída abrupta da política, o suicídio da primeira mulher, Hannelore, e as constantes críticas dirigidas aos «traidores» do partido, tornaram-no um homem amargo e entristecido. «Sie macht mein Europa kaput» («Ela está a destruir a minha Europa»), foi uma das frases mais fortes de Kohl, dirigida à chanceler alemã.
Um AVC, em 2008, deixou-o sem falar, mas uma recuperação sensacional ainda lhe permitiu contrair novo matrimónio, com Maike Richter, 34 anos mais nova. Seguiram-se duas intervenções cirúrgicas, em 2010 e 2012, que o atiraram para uma cadeira de rodas, e uma terceira, em 2015, que o deixou agarrado a uma saúde muito débil. Morreu no passado dia 17 de junho, com 87 anos, em Ludwigshafen, a sua terra natal.
Para História fica um político determinado, que esteve no lugar certo, à hora certa, e que, através da reunificação do seu país, conseguiu agarrar a Europa e levá-la por caminhos nunca antes trilhados. Na hora de apontar os seus feitos e de refletir sobre o seu legado, Helmut Kohl não esquece as dificuldades que passou: «Fui subestimado durante décadas. E dei-me muito bem com isso».