O amor de pai e mãe é algo que perdura para toda a vida. Outro amor é aquele que se tem pela profissão, principalmente quando a inspiração para seguir esta ou aquela carreira profissional se baseia no trabalho dos progenitores. Se o exemplo é importante, os genes também têm um lugar reservado na história. Influenciam características, físicas, psicológicas ou comportamentais.
Desde pequenas que as crianças tendem a imitar cada gesto dos pais, cada palavra, por se julgar que são eles que sabem o caminho mais acertado. Mas na altura de todas as decisões, muitos filhos descobrem que seguir um ídolo ou quererem ser como os pais é algo que vai além do que uma vontade infantil. É uma vocação. Será possível que geneticamente um filho seja atraído para o percurso de um pai tal como as abelhas são atraídas pelo pólen?
Depois de se sagrar campeão pelo Real Madrid, Cristiano Ronaldo partilhou nas redes sociais um vídeo do seu filho de sete anos a marcar um livre direto. Não tardaram os elogios, com o golaço de Cristianinho a ser notícia em Portugal mas também na imprensa espanhola, que tem os seus provérbios para dar conta destes fenómenos intergeracionais, como a expressão “de tal palo, tal astilla” (tal vara, tal lasca).
Em 2005, um artigo publicado pela FIFA procurava explicar esta coincidência de tantos futebolistas acabarem por ver os filhos em campo. Muito antes de Cristianinho, que não joga ainda profissionalmente, fizeram história. Foi o caso de Zidane e do seu filho Enzo Fernández ou Rafael Alcântara, do Barcelona e o irmão Thiago Alcântara, do Bayern Munique, filhos do ex-futebolista brasileiro Iomar do Nascimento, vulgo Mazinho. E quem não se recorda dos Maldini, pai e filho? Há ainda o caso emblemático de Johan Cruyff e do seu filho Jordi. Neste artigo da FIFA, Tom Reilly, especialista em ciências do desporto, explicava que não há propriamente um traço genético hereditário que explique a herança genética no futebol, mas antes um conjunto de fatores que podem passar de pais para filhos. “As características incluem a altura apropriada, a capacidade de saltar, a capacidade de correr e manter um ritmo elevado durante 90 ou mais minutos”.
E embora ainda não tenham sido identificados genes concretos desta mistura explosiva em campo, sabe-se que alguns destes elementos podem, com grande probabilidade, ser herdados dos pais. “A altura é 85% hereditária, o comprimento das pernas cerca de 80%, a gordura corporal 50%, a forma do corpo talvez menos”, dizia Reilly. Mas depois, o talento precisa de ser alimentado e aí entra a educação, o treino e o estímulo.
No desporto como em tudo
São muitas as famílias que produzem uma descendência excecional, em diferentes áreas. Angelina Jolie, filha do casal de atores Jon Voight e Marcheline Bertrand é um exemplo disso. No cinema há ainda histórias como a de Connor Cruise e Tom Cruise e Ben Stiller e Jerry Stiller. Na música é o caso de Enrique Iglesias, filho mais novo do famoso cantor Julio Iglesias ou, em Portugal, do clã Carreira. Há também Adam Cohen, filho de Leonard Cohen, Paulo de Carvalho e AGIR ou Sean, filho de John Lennon. Se a ciência vai dando algumas pistas, ainda não há respostas inequívocas. Mário Cordeiro, pediatra, explica que é difícil dizer ao certo o que “sai” da própria pessoa e o que é influenciado externamente. “Sem dúvida alguma que há uma competência genética para certas áreas, independentemente do fator social e ambiental que é, logicamente, enorme. É sempre difícil distinguir o que ‘sai’ da própria pessoa ou o que é influenciado pelos pais e familiares. Mas, reconheçamos, há famílias de pianistas, violinistas, pediatras, futebolistas, pintores e até políticos. Pouco importa destrinçar o que é o quê, mas ainda bem que, por uma razão, pela outra ou por ambas, há filhos que prosseguem o caminho dos pais”, explica ao i o especialista. “Todos estes achados têm de ser escrutinados cientificamente”, frisa.
Pegando no caso de Cristianinho, Mário Cordeiro sublinha que é preciso ter cuidado na avaliação do talento, até para bem da própria criança. “Não é por o filho de Cristiano marcar um ‘daqueles’ livres que se pode afirmar que é igual ao pai – isso, aliás, poderia levar o Cristianinho – e qualquer outra pessoa – a pensar que o caminho estava feito. Não! Daí a pensar que somos predestinados desde a nascença e que é só deixar ‘correr o marfim’ vai uma grande e perigosa distância. Talento, é o primeiro ‘T’. Há os outros três: trabalho, tempo e técnica”.
A psicologia defende que o estilo de vida e as influências do meio ambiente – por exemplo – podem provocar mudanças genéticas na descendência e ter um papel fundamental nas características e nas aptidões físicas e psicológicas. Não se pode acalentar a ideia de um determinismo genético na constituição da vida humana, já que, segundo a psicologia, “não se herda características acabadas”, mas potenciais genéticos que podem ou não vir a atualizar-se.
Nos finais do séc.XVII, o filósofo John Locke introduziu a noção de ‘tábua rasa’, um modelo defendido por inúmeras teorias, assentes num paradigma social. Já Descartes, por exemplo, defendeu o modelo biológico, que pressupõe que as características fundamentais do ser humano se determinam no nascimento. “Se por um lado, a genética influencia traços físicos, características importantes, predisposições biológicas; a relação com o meio torna-se fulcral no desenvolvimento dessas mesmas características”, frisa Leandra Cordeiro, psicóloga clínica e docente da Escola Superior de Educação de Viseu. “Não quero com isto dizer que o meio vai apenas potenciar ou não as características predeterminadas biologicamente porque o modelo em que acredito fundamenta-se essencialmente na relação com o outro, construindo-nos com o outro e isto não se resume apenas à modelagem do comportamento por imitação ou observação, mas pela qualidade do vínculo que é estabelecido com alguém que é referência ou preponderante nas nossas vidas”.
Imitação, observação no meio ambiente ou herança genética são três pontos de vista distintos em diferentes teorias acabam por se conjugar com maior ou menor intensidade. Ainda assim, só o futuro dirá até onde cada filho chega.
O que dizem os filhos que seguiram as pisadas dos pais
Filha – Mafalda Seco, 23 anos, Mestrado em Matemática na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
Mãe – Professora de Matemática, 49 anos
A matemática sempre foi a disciplina mais estudada, aquela em que tinha mais facilidade e sem dúvida a mais desafiante. Foi isso que me fez querer estudar matemática, o gozo que dava escrever duas páginas de exercício e no final chegar ao resultado pretendido. Havia sempre uma certa tendência para os jogos que fazíamos ou os brinquedos que a minha mãe me oferecia. Muitos tinham a ver com números ou formas geométricas, por isso acho que já estava aqui o bichinho da matemática.
Filha, Carolina Martins, 20 anos, Direito na Universidade de Coimbra
Pai, procurador da República, 61 anos
Desde pequenina sempre me imaginei a exercer uma profissão na área do Direito. Talvez ter dois pais na área e ter “crescido” a ouvir falar de leis e desse mundo tenha tido alguma influência na minha escolha. Mas acho que o motivo principal foi ser apaixonada não só pela Justiça como pela ideia de poder trabalhar na ONU na defesa dos Direitos Humanos. E para mim conciliar uma profissão que influencie e melhore a vida das pessoas e que ao mesmo tempo me permita viajar e fazer uma pequena diferença no mundo é um sonho que gostaria de alcançar.
Filha, Carolina Santos, 20 anos, Mestrado Integrado em Medicina Dentária na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Pai, Médico Dentista, 55 anos / Mãe, Médica Dentista, 52 anos
Queria algo na área da Saúde, que é a área que mais gosto, e também pensando nas possibilidades que este curso me daria no futuro. Os meus pais nunca me “obrigaram” ou “forçaram” a nada, claro que indiretamente desde pequenina que estava na clínica dos meus pais e ia estando em contacto com a área em si. Se influenciou, foi indiretamente. Não acredito que tenha estado “entranhado” desde pequenina.
Filho, João Carlos Cruz, 26 anos, Medicina na Universidade Autónoma de Barcelona
Pai, Médico, 65 anos
Escolhi estudar Medicina porque sempre achei que ter a capacidade de dar saúde às pessoas e permitir que elas tenham a capacidade de poder ser quem querem sem limitações era uma coisa fundamental e um ofício muito nobre. Acho que o facto de o meu pai ser médico influenciou a minha decisão, porque via-o trabalhar e via a gratidão que as pessoas lhe tinham por ele tratar delas. Por isso, mesmo sem saber porquê, por ser muito novo, sempre senti que havia ali qualquer coisa de especial que justificaria essa gratidão das pessoas. Nunca ponderei ser mais nada se não médico, mas não sei de isso já fazia parte de mim ou se foi crescendo.
Filha, Ana Margarida Herdade, 21 anos, Faculdade de Farmácia de Coimbra
Mãe, Farmacêutica, entre 50 e 60 anos
Cresci a ouvir conversas sobre patologias, tratamentos e medicamentos. Esse ambiente teve uma influência grande no meu interesse por esta área. Sempre tive possibilidades de escolha abertas, mas desde nova que soube que queria seguir a área da Saúde e a farmácia foi a resposta: permite ajudar os outros aplicando conhecimentos em constante evolução. A minha mãe teve uma influência grande, ao mostrar-me a gratificação de ajudar com o que sabemos, e o meu pai foi um grande apoio. Cresci muito na farmácia e desde pequena me apercebi da importância do farmacêutico, não só pelos conhecimentos científicos, mas pela paciência e dedicação para explicar às pessoas como tomar e distinguir a medicação – para quem não sabe ler é muito difícil.