A sua carreira começou há 16 anos, começou muito jovem, é jovem. Sente que o público ainda o vê como um miúdo?
Felizmente! Isso dá-me mais tempo para fazer personagens mais jovens. Claro que há papéis mais sérios e as pessoas também já me veem dessa maneira. Mas não acho nada mau ainda me verem como um miúdo.
Há muitos atores que descrevem o seu início com os teatrinhos em casa, depois na escola. Parece que há uma série de degraus que se vão subindo até se chegar à decisão. Subiu essa escada?
Cedo. Mas queria ser uma série de coisas, entre as quais reformado. Via os reformados a jogar o dia todo enquanto os outros iam para o trabalho e achava que aquilo era uma vida interessantíssima. Lembro-me de pensar: ‘Então é isso que quero ser, passar o dia na amizade, no café!’ (risos) Depois quis ser tanta coisa que pensei logo em ser ator, porque me dava a oportunidade de experimentar tudo. Comecei também a fazer os teatrinhos na escola. Depois, como o meu pai sempre trabalhou em produção e como ator também, desde miúdo que visitava os décors das filmagens das novelas e ia ao teatro. E fiquei sempre fascinado com esse mundo. Lembro-me da primeira vez que subi a um palco, foi na catequese. Devia ter uns oito anos. Fiquei tão nervoso, tão nervoso! Mas gostei.
Que décors visitou de que se lembre, eram projetos conhecidos?
Eram novelas, essencialmente, não me lembro quais. Recordo-me da primeira vez que fiz figuração, no Primeiro Amor, uma novela antiga. Era uma cena em que estava a jogar à bola com os miúdos, foi em Sintra. E lembro-me de ver o Nicolau Breyner a chegar num carro preto com motorista. Para um miúdo, ver aquilo era ‘uau’.
Tinha que idade quando decidiu ser ator?
Tinha 16 quando fiz o primeiro curso de formação intensiva para atores. O diretor era o José Fonseca e Costa. Tivemos imensos professores maravilhosos: a Maria João Serrão, o Rui Mendes, o António Feio, sei lá. Foi um ano em que fui muito produtivo – estava a fazer o 11.o ano, saía da escola, ia para o curso às 17h30 e só saía de lá à meia-noite. Era em estúdio, no Vasco Santana, na Feira Popular, que já não existe. Assim que acabei fiz o casting para os primeiros Morangos com Açúcar. Fiz 790 episódios, dois anos e tal. Comecei a fazer de “Rodas” com 17 anos e acabei com 19.
Há pessoas que ainda lhe chamam “Rodas”?
Todos os dias. É impressionante como aquela personagem marcou. Isso é bom, há um carinho especial. E depois também há um fenómeno que acontece com os Morangos com Açúcar, que é a repetição, ora no Panda Biggs, ora na TVI Ficção. Quando acho que já passaram 13 anos, de repente aparece uma criança de cinco anos a chamar-me “Rodas”.
Essa colagem teve alguma repercussão negativa na sua carreira? Há atores que se queixam de que ter começado nos “Morangos” foi impeditivo de dar o salto.
Acho que isso é uma coisa que acontece sempre um bocadinho. No meu caso, fiz outras coisas a seguir a isso. Mas, curiosamente, a geração que viu na altura e que me vem falar diz-me: «Nunca mais fizeste nada.» E eu pergunto: «Viste alguma novela depois dos ‘Morangos’?» E as pessoas não viram. Se calhar houve uma geração que ficou aí, mas quem contrata um ator tem consciência de que há capacidades para fazer outras coisas. Portanto, a conotação com que acho que fiquei em relação a isso é a de uma personagem marcante, de uma série extremamente marcante como foram os Morangos com Açúcar. Na altura, na televisão portuguesa, nunca tinha aparecido um maluco a fumar charros e a portar-se mal, era um bad boy, acho que isso também marcou.
Essa personagem foi fraturante nesse sentido, mas agora tem outra, o Henrique na novela “Amor Maior”, que é homossexual. Como tem sido gravar esse papel?
Como outro qualquer. Acho que a opção sexual só por si não define a personagem, ele tem outras características. E uma das opções em direção de atores foi fugir aos estereótipos associados, fazer uma personagem gay, mas masculino. A ideia foi mesmo quebrar com o preconceito.
Como se preparou para esse papel?
A minha preocupação e as indicações que me deram foram no sentido de ir contra os estereótipos. Portanto, procurei nem pensar nisso e focar-me mais no facto de ele ser uma pessoa de valores, que acredita nas coisas, trabalhador.
Tem tido algum feedback da comunidade LGBTI relativamente a esse papel?
Recebo algumas mensagens pelas redes sociais. E acho que há uma página muito curiosa, não sei quem fez, mas onde fizeram uma novela entre o Henrique e o Ricardo [papel desempenhado por Tiago Teotónio Pereira], o resto é elenco secundário. Criaram um site e tudo, fazem montagens das cenas!
Além das novelas, está a fazer cada vez mais cinema. Sente que o cinema português está a ganhar um novo fôlego?
Acho e espero que sim. Acho que também se estão a quebrar alguns preconceitos relativos ao cinema português. Temos bom cinema, fazemos bom cinema. Infelizmente, temos um mercado pequeno. Mas se as pessoas começarem a ir ao cinema – como ultimamente têm feito -, podemos ganhar força e voltar à época em que o cinema português era incrível, à época do Leão da Estrela, o original. As pessoas iam ao cinema, enchiam o teatro, faziam filas. E éramos menos. Temos bons realizadores, bons atores, temos tudo para fazer as coisas bem. Somos é pequeninos à escala de orçamento.
Acha que essas mudanças se devem ao trabalho de quem produz e atua, aos apoios que se recebem ou às pessoas que (re)começaram a ir ao cinema?
As coisas têm de mudar com isso tudo. Tem de haver mais apoio à cultura, o que existe é pouquíssimo – é até vergonhoso. A cultura é um pilar essencial numa sociedade, é a partilha de conhecimentos e de pontos de vista que faz as pessoas crescer no seu interior e ter outras perspetivas da vida. Por isso é essencial que se apoie a cultura. E é essencial nós próprios – como quando vamos ao supermercado e escolhemos um vinho português porque é sabemos que é bom -, também termos a mesma intuição quando formos ao cinema. Até pode não ser bom, mas temos de experimentar, dar uma oportunidade. Isso tem mudado, embora seja preciso mudar mais, principalmente ao nível do Ministério da Cultura. Não se fazem omeletes sem ovos. Se eles não têm orçamento, também não podem fazer grande coisa. Parte sobretudo do Governo central disponibilizar mais verbas para o ministério poder atuar.
Falemos do seu processo de trabalho. Como cria uma personagem?
Depende da personagem, quanto mais de composição ela for… Talvez seja mais fácil pegar num exemplo de um papel, por exemplo, do que fiz em O Cigano [curta-metragem do argumentista e realizador David Bonneville que deu ao ator o prémio de melhor ator no Wildsound International Film Festival de Toronto e o prémio de melhor ator em curta-metragem no Festival de Cinema Cineuphoria]. Além do processo natural de observação das pessoas, de trejeitos, de maneiras de andar e falar, vi filmes sobre ciganos, investiguei a cultura, ouvi música cigana para me imbuir do espírito. Passa sempre por um processo de observação, investigação e, depois, interiorização de tudo isto. E a música, aí, ajuda muito.
Há atores que dizem que se retiram de todo, tentam anular-se a eles próprios para serem preenchidos pela personagem. Outros dizem que essa premissa é completamente falsa, que é sempre impossível alguém sair completamente de dentro de si próprio. Onde é que se situa?
No meio. Obviamente que não se vai sair completamente de si próprio, mas quando tenho uma situação, sei lá, de um atropelamento, não vou pensar como Tiago Aldeia se visse aquele atropelamento, vou pensar na personagem que estou a interpretar e, consoante as características que ela tem, como é que reage àquilo.
Depois, no processo de separação da personagem, houve alguma que tenha custado mais a sair?
É uma coisa imediata, mas há algumas personagens… Por exemplo, uma que fiz na novela Espírito Indomável que era o Hugo, um bicho do mato: demorei muito tempo a perder as contraturas com que fiquei no pescoço. (risos) Passava a vida numa posição de ataque, tive de fazer tratamentos. E psicologicamente fiquei mais ciumento nessa altura da minha vida. O que eu trabalhava no Hugo era o ciúme puro, ele era obcecado pela irmã, ela era o centro da vida dele. Dei por mim a ter assim alguns comportamentos quase instintivos. Estamos todo o dia a exercer uma forma de sentir e pensar e que depois pode contaminar um bocadinho o teu dia-a-dia.
O ritmo das novelas é muito desgastante fisicamente?
É, obviamente também depende da incidência da personagem. Mas gravar 12 horas por dia é muito cansativo. Por exemplo, agora com o Henrique, apesar de a personagem não ter muita incidência, este ano, e felizmente, estive a fazer muita coisa. E estou grato por isso. Estive a fazer cinema, teatro, a novela, e de repente há dias em que se trabalha 18 horas. A questão de fazer televisão é que se chega a casa e vai-se decorar texto para o dia seguinte, nunca se desliga realmente.
E esse ritmo frenético dá tempo para aprofundar uma personagem ou às tantas é só dizer umas linhas?
Depende. A televisão é uma coisa feita de ritmo. Há atores que não conseguem fazer televisão muito bem porque precisam de tempo, e o tempo, ali, não existe. Ensaia-se uma, duas vezes, ação. Por isso trabalha-se esse imediatismo de reagir, de sentir. E isso treina-se quanto mais se faz, às tantas, de facto, existe esse automatismo. Claro que nem sempre corre bem. Somos humanos, estamos a trabalhar com emoções. Mas há cenas em televisão em que não se passa grande coisa. «Olá, ‘tás boa, ‘tá tudo bem, até amanhã.» Para isto também não é preciso uma concentração por aí além. Agora, numa cena em que morre alguém, óbvio, exige um esforço emocional diferente.
A inspiração treina-se?
Treina-se o estado de espírito que leva à inspiração, a forma como se fica predisposto a ficar inspirado. Por exemplo, sabes que não te consegues inspirar a conduzir, vais para um jardim, se for esse o caso. É preciso criar trigger points para, quando se está muito fora, puxar e arrancar para algum sítio para onde se tenha de estar.
Já alguma vez foi gravar completamente destroçado?
Sim.
E é como em tudo na vida – tudo é pior quando estamos mal – ou ir trabalhar nessas condições ainda custa mais na representação?
Ainda é pior. O ideal será um ator chegar a um plateau neutro para que se possa imbuir dos sentimentos e emoções necessários para aquela cena. Obviamente que, se chegas a um plateau destroçado, chegar a esse estado neutro é difícil. Pode é ter-se a sorte de ter de gravar uma cena em que se esteja triste ou o azar de o personagem ter acabado de ganhar o euromilhões! Mas uma coisa muito importante é a concentração: a cabeça, quando está fora, primeiro que apanhe o resto é mais difícil.
Cartas de Guerra recebeu o Globo de Ouro, nove prémios Sophia…
E esteve pré-selecionado para os Óscares.
Como foi entrar nesse filme e que relação foi essa com que ficou com o Ivo M. Ferreira? Já rodou outro filme dele.
Fiz um casting para entrar no Cartas de Guerra e fui escolhido pelo Ivo para fazer a personagem do soldado Ferreira, que perdeu a perna numa explosão. Gosto de cenas fortes e com composição, já estava maluco para fazer aquela cena. Claro que depois fico ansioso e cheio de medo de não cumprir, mas acho que me correu bem. E foi aqui que o Ivo viu o meu trabalho e, sei lá, percebeu que gostava de mim. E daí o Hotel Império, gravado em Macau. É um filme que se passa numa época atual, fala sobre relações humanas e sobre a relação entre Portugal e Macau, e também sobre o colonialismo.
Está numa fase profissional a abarrotar – está a fazer cinema, teatro e televisão em simultâneo. Isso é fruto de quê?
De uma série de fatores. Do trabalho que se vai fazendo, do talento, e a sorte, que é muito importante. As coisas conjugaram-se assim. É preciso sorte porque é um meio pequeno e são muitos cães a um osso. Ainda para mais na minha geração; há gerações de atores mais fáceis, menos concorridas. Felizmente estou a ter este ano maravilhoso, cheio de coisas bastantes distintas umas das outras. No cinema, mais para o vilão; no teatro estou a fazer comédia; e, na televisão, uma personagem mais sensível.