Uma estranha atitude face à sexualidade: isto é o mínimo que se pode dizer sobre o genial e provocador artista espanhol Salvador Dalí. Um dia, quando era jovem, terá atirado com um saco de esperma ao pai, num gesto de revolta. O progenitor desaprovava vigorosamente o seu envolvimento com Gala, que considerava uma toxicodependente e uma péssima influência. Dalí e Gala, que gostavam de se sentar nus à mesa para escandalizar a criada que lhes servia as refeições, acabariam mesmo por se casar e na sequência da união o pai decidiu deserdá-lo. Curiosamente, suspeita-se que o artista e a sua musa, uma mulher dez anos mais velha, nunca tenham consumado a relação.
O surrealismo, movimento de que o artista natural de Figueres, Catalunha, foi um dos máximos expoentes, explorava os recessos do inconsciente e o poder das pulsões sexuais. Dalí chegou a visitar Freud em Londres, onde este passou o fim da vida exilado, e deixou mesmo um retrato a tinta-da-china do pioneiro austríaco.
O artista possuía, portanto, uma noção muito nítida dos impulsos eróticos que palpitam no ser humano. Mas exorcizava-os através de telas perturbadoras como “Donzela Sodomizada pelos Chifres da sua Castidade” ou “O Grande Masturbador”. E ainda de outras formas muito pouco convencionais: por exemplo, organizando orgias na sua mansão de Port-Lligat, às quais assistia escondido num recanto. Aparentemente, o ato sexual, fosse com homens ou mulheres, não o seduzia, bem pelo contrário.
Estes comportamentos invulgares podem ter resultado de traumas de infância. Na sua delirante autobiografia, “A Vida Secreta de Salvador Dalí” (1942), revelava: “Durante muito tempo, experimentei a angústia de acreditar que era impotente”. Ali dizia também que desenvolvera um certo gosto pela necrofilia (sexo com cadáveres), que conseguiu ultrapassar. Já o seu biógrafo e amigo Ian Gibson notou que Dalí detestava que lhe tocassem e sentia uma aversão violenta pelos órgãos genitais femininos, comparando o coito a uma “selva sangrenta”.
“Porventura calarei muitas bocas” Mas e se afinal o perfil sexual de Dalí não fosse assim tão peculiar? Essa é a convicção de Maria Pilar Abel Martinez, uma cartomante de Girona que defende que o artista teve um caso extraconjugal com a sua mãe em meados da década de 1950. Maria Pilar, que nasceu em 1956 e vive em Girona, acredita ser fruto dessa relação e diz ser fisicamente muito parecida com Dalí: “Só me falta o bigode”, declarou ao “El Mundo”. Esta semana, a natural de Girona viu uma juíza de Madrid dar-lhe razão. “Estou muito contente. Agora vai saber-se a verdade sobre o meu ADN e porventura calarei muitas bocas, pela minha família e pela minha mãe”.
À falta de outros objetos que pudessem servir de amostragem para os testes comparativos, a juíza Maria de Mar Crespo deu ordem para exumar os restos mortais do excêntrico artista. Dalí encontra-se sepultado na cripta do museu-teatro que mandou construir em Figueres, onde viveu recluso, após a morte de Gala. Não chegou a ser congelado para poder ser “ressuscitado” mais tarde – uma hipótese que se chegou a colocar – mas, de acordo com instruções dadas aos seus colaboradores, o seu corpo foi embalsamado, exatamente como fora o de Gala sete anos antes.
Há muito que Maria Pilar Abel Martinez proclama, para quem a quiser ouvir, ser filha de Salvador Dalí e em 2007 fez mesmo dois testes de paternidade cujos resultados nunca lhe foram revelados. O seu advogado diz não saber ainda quando será feita a exumação, mas avança que deverá realizar-se em julho. A confirmar-se a convicção da cartomante, Maria Pilar poderá usar o apelido do artista e reclamar parte dos seus bens. Mas a fundação Dalí já anunciou que vai recorrer da decisão.
Este é o segundo caso mediático de exumação em Espanha no espaço de dois anos. Em 2015, um grupo de especialistas resgatou e analisou as ossadas de 16 pessoas sepultadas na Igreja das Trinitárias, em Madrid. Entre elas, pensa-se que podem estar as do escritor D. Miguel de Cervantes Saavedra, o autor de “D. Quixote”.