O terceiro homem mais poderoso no Vaticano e o responsável pelas contas do papado foi acusado esta quinta-feira de atos passados de pedofilia e vai ter que responder pelos alegados crimes em julho, na Austrália, o seu país-natal, onde há anos circulam rumores de que pode ter abusado de rapazes menores e relatos de que tentou dificultar o caminho a famílias que quiseram processar a igreja por delitos sexuais.
George Pell nega as acusações, afirma que é vítima de uma campanha de difamação e assegura que tem a confiança do Papa Francisco, que lhe deu uma licença para poder refutar as acusações nos tribunais australianos. Numa conferência de imprensa, Pell não arredou pé. “Estou entusiasmado por finalmente poder ir a tribunal”, lançou a jornalistas, em Roma, dizendo que os passados dois anos de relatos na imprensa se equiparam a “um imparável assassinato de caráter”. “Estou inocente de todas as acusações. São falsas. Toda a ideia de abuso sexual é-me repulsiva.”
Não se conhecem ao certo os detalhes das acusações: apenas que são múltiplas e se reportam aos anos em que Pell passou entre uma paróquia local e a diocese de Ballarat, conhecida como um dos centros de abusos sexuais na Igreja Católica australiana. A decisão de publicar mais detalhes sobre as alegações e os crimes de que Pell está a ser acusado será tomada na próxima semana.
Os únicos casos conhecidos remontam à década de 1970 e foram revelados por dois homens num documentário emitido há um ano na televisão australiana. Segundo os homens, Pell tocou-os de forma imprópria. Independentemente da natureza das acusações, o dado essencial mantém-se: George Pell tornou-se esta quinta-feira na mais alta figura do Vaticano a ser acusada de abusos sexuais a menores e o caso pode ser um duro golpe para uma igreja que tenta limpar a sua imagem de secretismo e indiferença quanto a décadas de abusos.
O Vaticano respondeu com uma mensagem de apoio a Bell que, no entanto, era lida esta quinta por alguns observadores como uma nota de despedida. O gabinete do Papa comunicou que “respeita o sistema judicial australiano” e lembrou que “ao, mesmo tempo, é importante relembrar que o cardinal Pell condenou aberta e repetidamente como imorais os intoleráveis atos de abusos cometidos contra menores”. “Parecia muito uma carta de despedida”, argumentava esta quinta-feira ao “New York Times” Robert Mickens, um observador de longa data dos assuntos do Vaticano e o editor do portal La Croix International. “Suspeito que isto é o fim da linha para George Pell no Vaticano”, sentenciou.
Críticas passadas
O caso surge num momento especialmente constrangedor para Francisco. O Papa prometeu uma política de “tolerância zero” para abusos sexuais na Igreja, mas a comissão que criou para investigar casos desta natureza parece estagnada. No último mês, por exemplo, um dos membros da comissão – ele próprio vítima de abusos sexuais na Igreja – demitiu-se em protesto, forçando a mão do Vaticano, que em seguida reconheceu a existência de um dossier com cerca de dois mil casos de possíveis abusos. Em fevereiro, Francisco aligeirou as sanções para padres condenados por pedofilia e fundiu com outros serviços um tribunal destinado a apurar encobrimentos.
Em muitos sentidos, George Pell representa a tendência do secretismo. De acordo com o “Guardian”, a polícia australiana queixou-se de interferências da Igreja australiana na sua investigação a casos de abusos nos anos em que esta era liderada por Pell, que, através de uma organização criada por si, tendia a resolver casos com indemnizações mínimas e pedidos de silêncio às vítimas.