Nem todas as empresas de energia cumpriram a passagem dos contratos de aquisição de energia (CAE) para os custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC) que foi imposta em 2007. A EDP que na altura tinha como principal acionista o Estado fez essa passagem, ao contrário dos produtores de energia concorrentes – Turbogás e Tejo Energia «alegando complexidade legislativa», uma vez que este novo sistema contemplava mais riscos, apurou o SOL junto de fonte do setor. Daí continuarem a funcionar com os CAE.
A verdade é que a taxa de remuneração dos contratos CAE apresenta menos riscos, até por ser mais previsível. A explicação é simples: a remuneração destes contratos mantém-se sempre no mesmo valor garantido, independentemente da gestão da produção de energia ser boa ou má.
Uma situação bem diferente à que se vive com os CMEC, cuja compensação tem de ser negociada com o Governo. A ideia é funcionar como uma compensação na receita de venda da energia pelas centrais, em que o indicador fundamental para as contas é a previsão do preço da eletricidade no mercado grossista. Isto significa que, quanto maior for este preço, menor é a compensação a que a empresa tem direito, porque o CMEC tem como finalidade compensar a EDP caso as receitas fiquem abaixo dos níveis fixados nos contratos originais.
Valores repercutidos
Mas vamos a números. Por duas centrais – uma da Turbogás e outra da Tejo Energia – desde 2007 até à data os valores repercutidos nas tarifas referentes aos CAE foi de 1746 milhões de euros, segundo os dados da ERSE. Só este ano o valor fixou-se em 154 milhões de euros – que, divididos por uma potência instalada de 1672 MW, dá um valor de 92 mil euros por MW instalado. No entanto, no acumulado dos 10 anos, o preço por megawatt instalado em CAE é quase o dobro do calculado em CMEC, ou seja, 94,4 mil euros, contra 45 mil euros.
Já nos CMEC, segundo os mesmos dados, os valores repercutidos nas tarifas nestes 10 anos rondaram os 2803 milhões de euros para 32 centrais elétricas. Só este ano os valores fixam-se nos 320 milhões de euros, mas divididos pela potência instalada dá 85 mil euros por MW instalado.
Feitas as contas, duas centrais em CAE pesam quase 1/3 das 32 centrais em CMEC.
Alvo de investigação
Estas alterações, que resultaram de uma imposição da Comissão Europeia, em 2004, mas que foram postas em marcha em 2007, estão a ser alvo de investigação. O documento da PGR que cita pareceres da REN e da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) chama a atenção para o facto de existirem benefícios para a EDP nesta mudança de compensação. E enumera esses mesmos benefícios: «Taxas de juros inadequadas nos valores iniciais dos CMEC e das respetivas rendas anuais, inclusão dos CMEC de custos não previstos no CAE e a extensão da exploração híbrida não assegura o equilíbrio económico e financeiro, beneficiando a EDP em prejuízo dos consumidores», diz o documento a que o SOL teve acesso.
O parecer da ERSE estranha mesmo que as recomendações que foram feitas ao Governo não tenham sido incluídas nas negociações feitas com Bruxelas. «Muito embora os pareceres da ERSE e da REN não fossem vinculativos, os responsáveis pela aprovação do regime CMEC sabiam bem que as duas entidades tinham competências legais, técnicas e científicas na matéria objeto do diploma e por esse motivo e em defesa do interesse público, esses pareceres deviam ser ponderados e considerados no diploma», salienta o mesmo documento.
A PGR acabou por abrir o inquérito em julho de 2012 face a estas denúncias e a 1 de outubro desse mesmo ano concluiu que «os factos em apreço poderão integrar, entre outros, crimes de corrupção, prevaricação e tráfico de influências», acrescentando ainda que «face a esse parecer deverá ser determinada a instauração de inquérito crime».
EDP descarta responsabilidade
O presidente da EDP, António Mexia, já veio garantir que «não houve nenhum benefício para a elétrica nem em 2004 nem em 2007», altura em que entrou em vigor o novo regime. «Foi uma negociação entre o Governo da altura e a Comissão Europeia, que auditou o processo e o aprovou em setembro de 2004. Na altura estabeleceu um montante máximo de compensações que nunca foi atingido», revelou o presidente da empresa assim que foi notificado como arguido.
O presidente da EDP revelou ainda que a atualização de parâmetros de mercado em 2007 – ano em que entraram em vigor os CMEC, substituindo os anteriores CAE – reduziu o valor da compensação financeira à EDP em 75%, de 3356 milhões de euros para 833 milhões de euros. Mas a mesma revisão contratual com o Estado estabeleceu um aumento do valor económico do domínio público hídrico a entregar ao Estado em 56%, de 1356 milhões de euros para 2115 milhões de euros.
«A questão da eventual corrupção tem a ver com eventuais benefícios (…). Não vejo nenhum benefício», disse Mexia. E lembrou que os contratos não são novos e que passaram pela análise de vários governos, parlamentos e até pela própria Comissão Europeia (ver gráfico em baixo).