No NOS Alive que hoje arranca, tudo é ordem de grandeza. São muitas bandas, mais espetáculos ainda, já que aos concertos é adicionada a comédia, 55 mil pessoas a usufruir e cinco mil a trabalhar. Durante as 11 horas de funcionamento, há sete palcos ativos para que não falte oferta a todos os que se deslocarem ao Passeio Marítimo de Algés no décimo ano do festival.
Os cabeças-de-cartaz The Weeknd, Foo Fighters e Depeche Mode são naturais preferências do público, mas reduzir o cartaz aos nomes sonantes seria não só ignorar a volumetria das propostas como o espelho de uma cultura fragmentada e cada vez mais livre de barreiras.
A profusão de palcos e a especificidade das propostas refletem os gostos variados de um festival que se aproximou do grande público, mas não perdeu o contacto com os nichos.
The Weeknd
Antigo ídolo dos blogues, The Weeknd é uma trova do vento que passa. Quando foi descoberto na mesma época que o Tumblr soube quem era Frank Ocean, era catalogado como r&b indie, associado a Drake, e fazia canções sombrias do “quarto para o mundo”. Todo o mundo é composto de mudança e, hoje, a proporção entre o estímulo dos álbuns “Beauty Behind The Madness” e “Starboy” é exatamente inversa à popularidade. Abel Tesfaye pertence a um novo mainstream de internet onde não há lugar para os U2 e apostou num formato pop calculado segundo métricas de redes sociais e streaming, apoiado numa ambição visual comparável à de Michael Jackson. Não dança como o Rei da Pop, mas transformou-se numa fábrica de êxitos. E representa algo de novo no Alive. Hoje, Palco NOS (00h50)
The xx
Quem gostou dos xx por saudosismo dos Cure iniciais ou da tribo vanguarda, não ficou convencido com o novo “I See You”. Quem sempre viu em Jamnie xx a força criativa vital e nunca ficou convencido com o minimalismo de “xx” e “Coexist” – na prática, gémeos separados à nascença – encontrou finalmente conforto. A sombra deu lugar à luz, e a desolação à vontade de viver. Os xx de “I See You” encontraram o equilíbrio com os xx dos concertos, mais físicos e até dançáveis. A banda para quem o espaço “secundário” foi demasiado pequeno em 2010 está hoje à altura de um palco de grandes dimensões e seria cabeça-de-cartaz em qualquer outro festival português com as mesmas características. Tudo está a postos para a apoteose. Hoje, Palco NOS (22h40)
Bonobo
Bonobo já foi um pouco de tudo na música eletrónica menos música de dança. Sim, há uma diferença enorme. Nem toda a música de dança tem raízes maquinais; nem toda a música eletrónica apela ao tronco. No princípio, Bonobo navegava nas águas serenas do downtempo, adicionando camadas de complexidade a uma tipologia sonora que foi perdendo alma à medida que se repetiu. Em “The North Borders”, Bonobo conquistou uma nova geração – a mesma que idolatra Nicolas Jaar – graças a uma exploração interior mais próxima dos formatos convencionais de pista, mas ainda virada para dentro. E o mais recente “Migrations” segue essa cartilha de relação entre teste científico e fórmula. Hoje, Palco Heineken (01h25)
Jessy Lanza
Quando Jessy Lanza veio ao Lisboa Dance Festival em_março, era uma relativa desconhecida a quem se reconhecia o potencial de chegar a público com massa crítica. O palpite estava correto. A canadiana entrou anónima no festival, mas saiu a pedir regresso rápido. Mais cedo do que se esperaria, é um dos nomes de cartaz da curadoria da Rádio Oxigénio no Palco NOS Clubbing. Lanza explora estruturas disformes mas sedutoras. A voz angelical e frágil é o perfume de uma construção rítmica e desconstrutora da pop como a conhecemos habitualmente. As canções são cosidas sobre texturas sobre camadas de sintetizadores elaborados. O álbum “Oh No” serve de cabala. Hoje, Palco NOS Clubbing (21h50)
Floating Points
O jazz na ótica dos Pink Floyd. Acabado de sair do forno, “Reflections – Mojave Desert” é o “Live at Pompeii” dos Floating Points. Um filme-concerto gravado no deserto árido da Califórnia com banda sonora psicadélica e aventureira de uma banda que, no NOS Alive, estará representada pelo capitão de todas as aventuras: “Sam Shepherd solo live” é o batismo de voo de uma apresentação que descola de Algés para a galáxia a altas horas. O rumo da jornada é incógnito: tanto pode provocar um estado de transe absoluto como um after relaxante, antecedente de uma bela noite de sono. Há quem os trate como pós-rock, há quem os conheça por via eletrónica e há quem chegue a este planeta através do psicadelismo. Jazz pode ser uma boa síntese. Amanhã, Palco Heineken (03h00)
Savages
Nada de novo, é um facto, já que as Savages são quase residentes em festivais portugueses de ano para ano – já chegaram a dar um concerto em Lisboa sob o pretexto da gravação de um vídeo –, mas a ferocidade inicial não se perdeu. Da infinitude de bandas que nos últimos anos tentou recriar o pós-punk fora de época, nenhuma outra foi tão verosímil e perigosa como as Savages. Os clássicos futebolísticos são tratados pelas autoridades como jogos de alto risco. O mesmo se pode aplicar a um concerto desta banda só de mulheres para quem o feminismo é coisa séria e para ser vivida segundo a causa. Talvez a grande diferença seja essa. Para as Savages, a emoção comanda a estética. Esta negritude não se vende na Primark. Amanhã, Palco Heineken (18h45)
Depeche Mode
A extensão da obra dos Depeche Mode é matéria-prima valiosa para textos jornalísticos. Uma questão de tempo, pode observar-se na sua resistência. De fé e devoção, dirão os fãs. Música para as massas, indicam as digressões esgotadas e o estatuto de cabeça-
-de-cartaz adquirido desde o concerto “101” de 1988. Tempo de construção outra vez, a cada novo ciclo de quatro anos. Não espanta, pois, que a noite de sábado tenha sido a primeira a esgotar. Os Depeche Mode são repetentes no NOS Alive, trazem a Portugal o álbum mais previsível, calculado e desinspirado do conjunto da sua obra mas… Dave Gahan continua a ser um animal de palco e não há muitas bandas que possam gabar-se de tantos hinos. Sábado, Palco NOS (22h15)
Fleet Foxes
O hiato foi longo, mas não fez esquecer o lindíssimo “Helplessness Blues”. E seis anos depois, a reputação dos Fleet Foxes resistiu intacta e não se perdeu em discos externos e páginas mortas da blogosfera. “Crack-Up” é tudo aquilo que se podia esperar e um pouco mais já que, sem ferir as marcas de uma folk elaborada e sentida, Robin Pecknold desafiou os limites do combo e encontrou num minimalismo complexo o aliado perfeito para escrever um manual de histórias sensíveis e profundamente inspiradas do ponto de vista musical e lírico. Não é um álbum imediato, não é o melhor companheiro de partilhas sociais, mas é por isso que o Palco Heineken é um refúgio de ajuntamentos maiores. Sábado, Palco Heineken (21h40)