Portugal e Espanha vão mesmo avançar para a compra de alguns medicamentos em conjunto. O protocolo é inédito e faz parte de um acordo ibérico mais amplo assinado ontem pelos ministros da Saúde dos dois países. O objetivo é ganhar dimensão na aquisição de medicamentos, mas também cooperar em matérias como financiamento, segurança e fixação de preços.
Para já, avançou o Infarmed, vai ter lugar um projeto-piloto que deverá envolver medicamentos genéricos, biossimilares – os genéricos de medicamentos biológicos como insulina – e também fármacos para doenças crónicas em geral. A junção de esforços a nível europeu na compra de medicamentos começou a ser tentada na última legislatura. Na altura, um dos dilemas nos sistemas de saúde europeus foi a comparticipação da nova medicação para a hepatite C. Paulo Macedo chegou a declarar “imoral” o preço pedido pelas farmacêuticas, defendendo uma estratégia concertada dos países europeus. Os novos medicamentos viriam a ser comparticipados em Portugal em 2015, mas cada país seguiu o seu rumo e o valor final não foi tornado público.
Entretanto, os trabalhos a nível europeu avançaram. Tem havido reuniões ministeriais e o acordo entre Portugal e Espanha tem agora luz verde. Questionado pelo i, o Infarmed não adiantou ontem que medicamentos vão ser negociados ou quando vai arrancar o processo.
O acordo assinado por Adalberto Campos Fernandes e pela homóloga espanhola Dolors Montserrat i Montserrat prevê desde já parcerias noutras áreas, como vigilância ambiental, epidemiológica e entomológica (estudo de insetos) e investigação. No caso dos insetos, uma preocupação ibérica é o alastrar de mosquitos exóticos que podem ser agentes de transmissão de doenças. O objetivo é usar sinergias para identificar “áreas de risco em zonas transfronteiriças e a monitorização de indicadores ambientais que influenciem habitats propícios”, e partilhar dados para “detetar mais precocemente a presença de mosquitos e a sua eventual infeção por agentes patogénicos”.
Espanha tem tido uma ameaça crescente com o mosquito Aedes albopictus, inseto de origem asiática detetado pela primeira vez na Catalunha em 2004. Desde então alastrou por toda a costa espanhola até à zona de Algeciras, já relativamente próximo de Portugal. Este mosquito, caso esteja infetado, pode transmitir o vírus da dengue, chikungunya ou zika.
Por cá, de acordo com dados fornecidos pelo Instituto Ricardo Jorge ao i, o Aedes albopictus ainda não foi detetado. Há 20 espécies de mosquitos identificadas em Portugal continental, sendo duas a três consideradas mais incomodativas; no entanto, não transmitem doenças. Há também espécies capazes de serem vetores de doenças, como o género Culex, que transmite o vírus do Nilo Ocidental. O Instituto Ricardo Jorge refere, contudo, que estes mosquitos picam sobretudo aves e foram apenas registados quatro casos em humanos desde 1993.
A única espécie preocupante em termos de saúde pública verifica-se na Madeira, onde está presente pelo menos desde 2005 o mosquito Aedes aegypti – que, tal como o Albopictus, pode transmitir a dengue, chikungunya, ou zika. Recorde-se que, em 2012, um surto de dengue na Madeira afetou mais de 2 mil pessoas.
A rede de vigilância de vetores REVIVE funciona no país desde 2008 e faz colheitas de mosquitos de janeiro a dezembro em pontos de entrada (aeroportos, portos e fronteiras) e de maio a outubro nas outras regiões.
Além do reforço desta área, o acordo ibérico prevê a simplificação de procedimentos em matérias como a trasladação de cadáveres e a isenção de taxas entre os dois país. “A doença não tem fronteiras. Hoje, 60 milhões de espanhóis e portugueses beneficiam da boa sintonia entre os dois governos”, assinalou Dolors Montserrat. Campos Fernandes defendeu que o acordo permite maior qualidade e segurança dos doentes. “É também um caminho para a melhor sustentabilidade do sistema de saúde de Espanha e Portugal”, disse o ministro.