Em 2007, Charlie Puth criou conta no YouTube atrás do sonho de, um dia, ter um vídeo que contabilizasse mais de dez mil visualizações. Nem o músico, então com 16 anos, nem os criadores da plataforma, ativa desde 2004, imaginavam que um dia o YouTube viesse a ser a rádio e televisão universais onde todos os olhos e ouvidos estão ligados.
Uma década depois, quem o viu e quem o ouve. Puth e o rapper Wiz Khalifa sentam-se no trono onde todos os caminhos da Internet vão dar – o YouTube, posto de escuta e observatório da vida moderna – superando “Gangnam Style”, do coreano Psy, o modelo instituído de viral. Um ritmo agitado, uma coreografia engraçada e uma melodia que cola como pastilha elástica são garantia de multiplicações várias.
“Gangnam Style” foi carregada a 15 de julho de 2012 e, em cinco anos, resistiu à exponenciação de fenómenos virais, ao berço de novas redes (Instagram, Snapchat) e à efemeridade de um one-hit-wonder mas não a uma ultrapassagem a alta velocidade.
“See You Again”, o single da banda sonora do filme “Velozes e Furiosos 7”, escrito em memória do ator Paul Walker, morto a 30 de novembro de 2013 após um acidente de automóvel na Carolina do Sul nos Estados Unidos, é um devorador de recordes. A 13 de abril do ano passado, bateu o recorde americano de escutas no Spotify num só dia: 4,2 milhões no total. Isto até Ed Sheeran estrear “Shape Of You” e “Castle On The Hill”, no início deste ano e elevar a fasquia para cima dos seis milhões em apenas 24 horas. E bateu o recorde de audições numa só semana, entre 6 e 12 de abril, em 26 países. Novamente superado por Sheeran.
Desde que foi carregado, “See You Again”, não parou de crescer. Cem milhões de visualizações em duas semanas; mil milhões em seis meses; dois mil milhões em ano e meio; e agora 2,896243917 milhões em mais de dois anos. É uma questão de tempo até atingir a marca inédita dos três mil milhões – um número igual à população com acesso a Internet.
Dez anos depois de Puth se ter inscrito, o YouTube é o maior produtor de fenómenos da atualidade e a indústria musical, resistente à transformação digital durante anos, foi obrigada a aceitar a mudança. O streaming é a escala mais fiável de popularidade e passou a ser fonte de rendimento. O tempo dos almoços grátis na Internet acabou quando as editoras descobriram que podiam gerar receitas e, se não igualar, pelo menos atenuar as perdas com a desmaterialização do CD – apesar do crescimento súbito nos últimos anos, o revivalismo do vinil representa pouco mais de um por cento do mercado e continua a ser um formato sobretudo procurado por colecionadores e melómanos.
As receitas obtidas através do YouTube podem variar e dependem do tipo de anúncios associados (há os que se podem ignorar, os que se podem ver fora do vídeo e os obrigatórios) mas os quase três mil milhões de visualizações geraram um bolo generoso. A fatia pode variar entre quatro e dez milhões de dólares (cerca de 3,5 e 8,7 milhões de euros) e tem de ser dividida entre os intérpretes e os produtores DJ Frank E, Melky d’Jesus, Wiz Khalifa, Yaseen Zuberi e Andrew Cedar. Nada que se compare ainda assim a êxitos como “We Dem Boyz” de Wiz Khalifa, e “Marvin Gaye”, de Charlie Puth”, dois gelados do verão quente de 2015, com mais de 220 milhões visualizações cada.
Dentro de doze meses, é previsível que “Despacito” tome de assalto um dos altares 2.0. Perto de 2,5 mil milhões de visualizações em cinco meses baixam o risco da aposta mas, por agora, é nas montanhas onde Puth massaja o piano que se encontra o campeão dos números astronómicos do YouTube.
Ele, 25 anos, e uma adolescência emancipada pela autonomia tecnológica em atualização permanente, até ser descoberto pela editora Atlantic, à procura de um lugar ao sol no paraíso competitivo da pop americana exportada para o mundo. E Khalifa, um dos primeiros rappers da era milionária do hip-hop, e uma das vozes com eco mais profundo nas gerações que crescem a olhar para o rap como dantes se via o rock.
E, no entanto, foi uma balada a uni-los na lembrança de um homem morte e no vício de clicar na mesma ligação várias vezes por dia. Preto no branco.