“Hermeto Pacoal, conhecem? Não. “É um compositor brasileiro, gosto muito do trabalho dele”, diz-nos Chassol no final de um filme-concerto de apresentação de “Big Sun”, e pedidos de autógrafos que não terminam. Problema nenhum, estranho seria se assim não fosse nesta noite de estreia absoluta do músico e compositor francês em Portugal, no Teatro Municipal de Vila do Conde, onde decorre até domingo a 25.ª edição das Curtas de Vila do Conde. “Gostam da maneira como a vossa língua soa? É muito diferente do português do Brasil? Estava a tentar cantar uma coisa do Vinicius de Moraes no fim do concerto, mas não me ligaram nenhuma”, sorri.
Talvez porque já estivesse feita a noite com esta apresentação de “Big Sun”, objeto híbrido que é disco mas também é filme e que começou em 2014, quando Christophe Chassol decidiu regressar à Martinica, terra natal dos seus pais, para começar um novo projeto. “Vem tudo sempre de um desejo de ter no meu computador imagens com as quais possa trabalhar”, explica o compositor e pianista de 41 anos, no ativo desde 1994. “Então vou aos lugares com uma equipa (operador de câmara e som) e filmo as pessoas. Quando regresso vou percorrendo o material que recolhemos no Final Cut e no Logic Pro, vou vendo as imagens, ouvindo os sons e quando alguma coisa me interessa pego nela, faço loops, melodias. E vou construindo assim a história.”
Para esta hora e meia de duração de “Big Sun” foram duas semanas de filmagens na Martinica, em 2014. Os pássaros a cantar, os homens a cantarem como pássaros e a cantarem como homens. Jogos de dominó, mulheres, o sol que é grande, na Martinica é mesmo grande, para irmos dar ao Carnaval, que Chassol escolheu por ser a altura em que “tudo está invertido”. “Sabia que no Carnaval ia conseguir apanhar imagens incríveis, também me interessavam os ritmos. Havia ritmos sobre os quais queria compor e ir à Martinica foi uma forma de me reencontrar com os meus pais [que já morreram], e de filmar uma realidade invertida. O que eles tocam [com os instrumentos de percussão no Carnaval] não são notas, mas é interessante fazer aqueles ritmos dançar.”
Como consegue Chassol fazer dançar gente a falar, numa entrevista. Podia ser um documentário isto com uma banda sonora e não é. Será antes a realidade num musical não ensaiado, que transforma entre o piano e sintetizadores com a ajuda de uma bateria neste lugar entre o jazz, a eletrónica e aquilo a que chama ultrascore. Porque música pode vir de todo o lado, até do bater de peças de dominó numa mesa em loops sucessivos. Falta só explicar este Grande Sol, que não será Carnaval, será outra coisa.
“Não temos nenhuma prova da existência de Deus, mas o Sol, podemos confiar nele. Faz as coisas crescer, dá-nos os dias, os pássaros cantam porque ele existe, é o mais próximo de Deus que podemos ter.” E o Sol estava lá, podia ser aquela tela em que era projetado o filme a fazer del Chassol sombra neste filme-concerto da secção Stereo, dedicada à experimentação de ligações possíveis entre música e cinema, que há ainda de receber Mão Morta a celebrar os 25 aos do icónico “Mutantes S21”, que tocarão na íntegra, e Capitão Fausto, num concerto em que será exibido em simultâneo “Pontas Soltas”, documentário sobre a produção de “Capitão Fausto Têm Os Dias Contados”.