Lula da Silva. O rasto do Tríplex

Um apartamento tramou o ex-presidente brasileiro. O juiz Sérgio Moro não acreditou no argumento de que a casa não lhe pertencia e cita documentos que indicam o contrário. O relato das manobras imobiliárias que constam na sentença

Apartamento n.º164-A, Avenida Geral Monteiro de Barros, Vila Alzira, Guarajá, São Paulo. A história do tríplex mais conhecido no Brasil é também o relato de como o mais carismático e popular presidente em democracia pode cair em breve no mesmo pântano de corrupção endémica que parece tocar todos os políticos do país. Lula da Silva diz que o processo está a ser manobrado com intenções políticas, enterra os pés e não parece disposto a ir a lado nenhum. Em parte sustenta-o a noção de que centenas de deputados e congressistas estão há anos a ser investigados sem uma acusação formal e muito menos uma condenação de nove anos e seis meses como a que foi anunciada na quarta-feira contra o ex-presidente brasileiro.

O processo pode demorar entre um a dois anos a ser decidido em segunda instância. É aí que reside a salvação ou condenação de Luiz Inácio Lula da Silva. Até lá, vale a história costurada pelo juiz federal do Paraná, Sérgio Moro. Também ele uma peça importante. Mas já lá vamos. 

Lula foi condenado por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, ambos ligados ao apartamento tríplex em Guarajá. Sérgio Moro deu como provado que a empresa de construção OAS ofereceu a casa e as obras de reabilitação ao ex-presidente como forma encapotada de um suborno que remonta ao ano de 2009, quando Lula da Silva ainda era presidente e tinha autoridade de indicar os dirigentes da Petrobras que, em último caso, decidiam a quem atribuir valiosos contratos de construção a empresas privadas.

Moro diz que foi com esse poder que Lula da Silva manobrou a petrolífera do Estado para integrar a OAS no contrato de construção da Refinaria Abreu e Lima. Em troca, a construtora pagou pelo menos 2,2 milhões de reais – ou 594 mil euros, à taxa atual – em subornos ao ex-presidente. O Ministério Público argumentava que Lula recebeu subornos por três contratos da Petrobras, mas Moro deu apenas um como provado. É aqui que entra o infame tríplex em Guarajá. 

Compra e remodelação

Para condenar Lula da Silva, Sérgio Moro baseou-se em documentos obtidos em buscas policiais e testemunhas, onde se encontrava, por exemplo, o funcionário que fazia a segurança do prédio. O processo demonstra que Lula e a mulher, Marisa Letícia Lula da Silva, que morreu no ano passado, compraram em prestações o muito menos valioso apartamento 141 do Edifício Solaris, que então se chamava Edifício Navia e pertencia à cooperativa Bancoop. O casal começou a pagar o valor de 179 mil reais em 2005. A Bancoop entra em insolvência em 2009 – o ano em que Petrobras concede o contrato da refinaria -, a OAS compra o edifício e altera-lhe o nome.

O apartamento do casal Lula da Silva passa para o número 164-A e começa a sofrer uma remodelação no valor de 1,1 milhões de reais, várias vezes o preço que o casal pagou pela casa – que hoje, no entanto, é avaliada nesse valor. Lula e a mulher desistem supostamente do imóvel em 2010, passando a titularidade para a OAS – uma das linhas de defesa do ex-presidente é a de que o prédio não lhe pertencia -, mas o juiz federal julga-o apenas como uma manobra para distrair as autoridades. O processo diz que o preço que o casal devia ter obtido pelo apartamento – através do processo de insolvência da cooperativa Bancoop – nunca foi reclamado e que esse valor foi apenas deduzido ao suborno. 

Moro não encontrou méritos na defesa de Lula da Silva. O argumento de que o apartamento estava em nome da OAS não pegou – o juiz diz que não basta “um exame meramente formal da titularidade ou da transferência da propriedade -, as testemunhas de defesa, segundo o processo, contradisseram-se ou não ofereceram dados relevantes, e, finalmente, as declarações de Lula da Silva sobre ter ido ao tríplex apenas uma vez e imediatamente recusado comprá-lo não batem certo com depoimentos que deu em seguida.

Pelo crime de corrupção passiva, Moro condenou Lula a seis anos, pelo de lavagem de dinheiro, três anos e seis meses. Agravaram a pena o facto de Lula ser então presidente e de o PT ter ficado por receber subornos de cerca de 16 milhões de reais. E Moro, para se ressalvar das críticas de que o acusam de julgar os réus na praça pública e querer retirar Lula de uma corrida à presidência em que pode querer entrar também, dedica grande parte da sentença a declarar-se imparcial. Como nesta passagem: “O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está sendo julgado por sua opinião política”, diz Moro, que assegura que não se candidatará a cargos públicos.