O governo acabou por conseguir ontem uma espécie de acordo com os seus parceiros do Bloco de Esquerda e PCP sobre a reforma florestal, mas a questão do banco de terras fica de fora. Os comunistas consideraram que a “estatização” dos chamados “terrenos sem dono” constituiria “um esbulho dos pequenos proprietários”, favorecendo a concentração de terras e os grandes proprietários. Na votação final global, ontem à noite, o banco de terras seria chumbado com os votos contra do PSD, CDS, PCP e PEV. Votaram a favor PS, Bloco e PAN.
Horas antes, o gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, tinha confirmado que o banco de terras será feito por decreto-lei (ou seja, não por lei da Assembleia da República, mas por iniciativa do governo) daqui a um ano, depois de se fazer uma avaliação.
O governo conformava-se com a falta de maioria. “As matérias relacionadas com as terras sem dono conhecido que constavam das propostas iniciais” serão “definidas por decreto-lei – após avaliação, a realizar no prazo de um ano, da experiência-piloto do regime cadastral simplificado.”
O PCP recusou ceder na questão do banco de terras e inviabilizou a sua aprovação pela Assembleia. Chegou a existir uma proposta de alteração a essa matéria acordada entre governo e PCP – de retirar as terras sem dono do banco de terras –, mas o Bloco inviabilizou essa opção, ao lado do PSD e CDS. A opção foi adiar o assunto.
Diz o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: “Na sequência da avaliação dessa experiência-piloto do cadastro simplificado, o governo partirá das propostas apresentadas quanto às terras sem dono conhecido – nomeadamente o seu registo a favor do Estado, a sua disponibilização pelo banco de terras e as prioridades no acesso a essas terras no futuro – para a definição do decreto-lei.”
PCP acusa Bloco de esquerda de se aliar à direita
A noite de terça para quarta-feira foi longa para os deputados que estavam na comissão especializada a aprovar o texto final da reforma da floresta. A tentativa de acordo entre governo e PCP obrigou a mais horas de negociações. A dada altura, o Bloco recusou a retirada do banco de terras do texto, como propunha o PCP e o PS já apoiava, votando ao lado do PSD e do CDS.
Ontem, em conferência de imprensa na Assembleia da República, o líder parlamentar dos comunistas, João Oliveira, foi particularmente duro para o Bloco de Esquerda: “Quero destacar com particular gravidade as posições que o Bloco de Esquerda assumiu com o PSD e o CDS na obstaculização da aprovação de algumas das medidas que permitiriam resolver problemas de fundo nas propostas apresentadas”.
“O Bloco de Esquerda aliou-se ao PSD e ao CDS garantindo a aprovação de medidas que permitem a privatização das terras do Estado, a concentração de propriedade e que permitem o esbulho dos pequenos proprietários rurais em nome da concentração agrícola, nomeadamente viabilizando as propostas que têm a ver com as terras sem dono conhecido”, disse ainda João Oliveira.
O PCP propôs inicialmente o adiamento para setembro da discussão de alguns artigos dos projetos da reforma florestal – basicamente porque defende que é preciso saber quanto dinheiro há para a aplicar. “Esta reforma florestal não tem associado o respetivo suporte financeiro que assegure a sua concretização com a dotação de meios e investimentos para que seja cumprida”, afirmou o líder parlamentar comunista.
Confusão na geringonça
As dificuldades de negociação da reforma florestal são reconhecidas no comunicado oficial do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. “Na sequência do intenso esforço de diálogo que o governo desenvolveu com o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda, o PCP e o PEV conseguiram-se encontrar soluções maioritárias para uma efetiva Reforma Florestal. Como em todos os processos de discussão e construção de soluções maioritárias existem sempre matérias que suscitam diferentes apreciações pelas diversas partes do consenso” – uma maneira polida de dizer que, desta vez, houve uma grande confusão.